Jandira Magdalena, 27 anos, dois filhos. Elizangela Barbosa, 32 anos, três filhos. Josicleide Souza, 37 anos, dois filhos. Em comum, o fato de que morreram vítimas do aborto clandestino. As mortes destas mulheres foram noticiadas. Quantas mais precisarão morrer ou ficar com sequelas para que a nossa sociedade e os e as governantes tomem uma atitude?
As três mulheres eram mães, responsáveis por suas famílias, mulheres trabalhadoras e saudáveis. Como afirmou o marido de Elizangela, ela só queria continuar trabalhando e ter independência financeira.
Perderam suas vidas porque as mulheres não tem o direito de decidir sobre a maternidade. Esta é uma triste realidade de muitas mulheres brasileiras que, diante de uma gravidez indesejada, decidem fazer um aborto em uma situação de clandestinidade, na busca por garantir sua autonomia e seu direito de decidir.
Em todas as partes do mundo em que o aborto é proibido por lei, as mulheres continuam interrompendo a gravidez indesejada.
De 2004 a 2013, entre 7,5 milhões e 9,3 milhões de mulheres interromperam uma gestação. Os dados são do estudo “Magnitude do abortamento induzido por faixa etária e grandes regiões”, conduzido pelos professores Mario Giani Monteiro (Instituto de Medicina Social-UERJ) e Leila Adesse (ONG Ações Afirmativas em Direitos e Saúde). O levantamento revela que, somente no ano passado, foram 205.855 internações decorrentes de abortos no país, sendo que 154.391 por interrupção induzida. O estudo estima que o total de abortos induzidos em 2013 variou de 685.334 a 856.668 casos. As mortes por aborto são a quarta causa de mortalidade materna no Pais.
Mas é preciso explicitar que não é o aborto em si que mata as mulheres no Brasil. O que mata as mulheres é a clandestinidade, fruto de uma sociedade hipócrita e misógina que criminaliza o aborto. As mulheres são tratadas como se fossem seres irresponsáveis e sem capacidade de decidir sobre sua vida, retirando delas este direito fundamental. São as mulheres pobres e negras as mais penalizadas por essa realidade, pois se submetem ao aborto em condições muitas vezes inseguras e não tem onde ser socorrida.
Em 2007, uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde demonstrou que nos países onde o aborto é permitido por lei o número de procedimentos é menor. Em países da Europa Ocidental, a incidência é de 12 abortos por mil mulheres. Na América Latina, esse número é de 31 a cada mil mulheres. No México, por exemplo, o resultado da legalização do aborto fez diminuir a mortalidade materna e as internações por hemorragias.
Ou seja, a proibição do aborto não está a serviço da defesa da vida como setores religiosos e conservadores alegam. A proibição do aborto é uma forma de controle da vida das mulheres, com base na visão de que a maternidade é o destino e função primordial das mulheres em nossa sociedade.
Desde as eleições de 2010, estes setores estão impondo um debate equivocado e chantagista na política brasileira. Enquanto impedem qualquer avanço na legislação, no sentido de ampliar e garantir os direitos das mulheres, apresentam frequentemente propostas de retrocesso, como o Estatuto do Nascituro e o Bolsa Estupro. A laicidade do Estado é cotidianamente desrespeitada, quando estes setores, sejam católicos, evangélicos, espíritas, tentam a todo custo impor suas concepções religiosas e morais como orientadoras das políticas de Estado, em um flagrante desrespeito a cidadania e autonomia das pessoas.
A articulação destes setores no poder legislativo se expandiu para outras esferas formadoras de opinião da sociedade. Atualmente, há um discurso hegemônico no Brasil de que as mulheres que decidem pelo aborto são irresponsáveis e assassinas, o que faz com que muitas mulheres tenham medo de recorrer a um hospital quando o procedimento tem alguma complicação, para evitar ser maltratada ou ser denunciada pelos próprios profissionais de saúde.
O dia 28 de setembro é o dia Latino Americano e caribenho de luta pela legalização do aborto. Neste dia, reafirmamos que nenhuma mulher deve morrer ou ser presa em decorrência de ter decidido pelo aborto.
Exigimos medidas urgentes como a venda legal do medicamento Cytotec em todas as farmácias, para que as mulheres que decidam pelo aborto não fiquem a mercê destas clínicas clandestinas e inseguras, ou nas mãos de traficantes.
Exigimos que, enquanto o Congresso conservador não aprova um projeto de descriminalização e legalização do aborto, o Ministério da Saúde organize um serviço de redução de danos, que oriente as mulheres para que elas não arrisquem suas vidas.
Nem mais uma morte de mulheres! Só a legalização do aborto evita estas mortes e garante a autonomia das mulheres.
Sonia Coelho é assistente social, integrante da equipe da SOF e militante da Marcha Mundial das Mulheres