Por Nalu Faria* originalmente publicado no Brasil de Fato
Este ano que se inicia será decisivo para as mulheres e para os movimentos populares em geral no Brasil. Um ano de lutas, crucial para dizermos não ao neoliberalismo, ao autoritarismo, ao negacionismo, e para elaborarmos e afirmarmos como é o país que queremos viver.
Todos os dias e também durante as eleições, temos a tarefa de tirar a extrema-direita do poder. Para a disputa que está colocada hoje em nossa sociedade, é fundamental elegermos um governo pautado por outro projeto de país. Um projeto popular, feminista e antirracista, que para ser posto em prática precisa se ancorar permanentemente nas lutas e organizações populares.
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As mulheres organizam a resistência
As manifestações por “Ele Não” durante a campanha eleitoral de 2018 posicionaram as mulheres firmemente contra a candidatura de Bolsonaro por compreender seu caráter retrógrado, conservador e inimigo da classe trabalhadora, das mulheres e das pessoas negras, indígenas e LGBTQIA+. Esse posicionamento se expressou na votação das mulheres para as eleições, bem como em sua avaliação durante o governo Bolsonaro, onde a posição de rejeição tem sido maioria.
Esse posicionamento é parte de um processo mais amplo e reconhecido atualmente: as mulheres são as principais protagonistas das lutas de resistência e de construção de respostas ao atual modelo – que definimos como um modelo baseado no conflito capital-vida. As mulheres estão na frente das lutas contra as empresas transnacionais, contra a guerra, as políticas neoliberais, a violência policial que mata seus filhos, o racismo e o genocídio dos povos negros e indígenas. Defendem a autonomia sobre seus corpos, exigem uma vida sem violência, estão na linha de frente das lutas nas comunidades defendendo seus territórios, sua cultura, seus modos de vida. É uma lista que não termina porque os ataques são muitos e, para todos eles, há resistência e construção de força coletiva.
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As mulheres também estão na produção agroecológica, na economia solidária, nas ações de solidariedade, nas cozinhas coletivas, no acompanhamento às mulheres que sofrem violência, socializando cuidados, produzindo comunicação contra-hegemônica, promovendo a recuperação de práticas culturais e de saúde. Outra lista que não termina e que nos faz afirmar a centralidade das mulheres para a sustentabilidade da vida.
Toda essa resistência é coextensiva à construção de respostas cotidianas para sustentar a vida e aponta as transformações necessárias para a construção de uma sociedade que garanta o bem viver, com igualdade, liberdade, democracia centrada na construção dos comuns. Essa não é uma realidade apenas brasileira ou das Américas, mas mundial.
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Durante a pandemia, as desigualdades foram escancaradas, assim como os ataques à vida, que foram intensificados por setores retrógrados. As mulheres estiveram e estão na linha de frente do enfrentamento à pandemia, sendo a maioria das trabalhadoras da área de saúde, de vários setores de serviços, e garantindo o trabalho doméstico e de cuidados nas casas e comunidades. Ao mesmo tempo foram mais impactadas pelo desemprego e tiveram mais dificuldades para garantir o sustento de suas famílias num contexto de alta da inflação, em particular do preço dos alimentos.
Mais uma vez, as mulheres amorteceram em seus corpos os impactos da crise, vivendo situações de estresse, tensões e adoecimento mental em uma dinâmica de precarização da vida – uma dinâmica onde se trabalha para viver, se vive para trabalhar. E a resposta patriarcal? Mais violência, mais feminicídio, mais imposição do mercado sobre nossas vidas e nossos corpos.
Por um novo ano de lutas antissistêmicas
Se queremos entender a condição e as dinâmicas que vivem as mulheres na sociedade, precisamos ter uma visão sistêmica e não apenas centrada nos “temas”, nos “problemas” ou mesmo nos direitos das mulheres. Só assim poderemos estabelecer os marcos necessários para as transformações estruturais que necessitamos.
Nosso desafio para o próximo período é radicalizar os processos de lutas que já estamos construindo a partir de uma perspectiva da pluralidade de sujeitos e de resistência ao atual modelo. Queremos avançar para desmantelar esse modelo baseado na injustiça e na exploração, e construir um novo modelo, que coloque a sustentabilidade da vida no centro.
Nos ancoramos nos acúmulos construídos pelos povos que resistem e constroem força política coletiva. No Brasil, essa trajetória se expressou na resistência à reação neoliberal, conservadora e autoritária que está em curso desde o golpe contra a presidenta Dilma. Nesses últimos três anos, o rosto dessa reação é o do neofascista e genocida Bolsonaro, apoiado por aliados do mercado, de igrejas e do exército.
Por outro lado, a Campanha Fora Bolsonaro articula um amplo campo político e converge experiências de muitos anos de luta conjunta envolvendo movimentos sociais, partidos de esquerda e diversas organizações da sociedade civil.
Nessa trajetória, acumulamos uma visão antissistêmica que deve ser aprofundada e definir diretrizes comuns de um projeto popular e democrático para o Brasil que incorpore os anseios da classe da trabalhadora, da luta antirracista, feminista, ecológica e pela diversidade sexual e de gênero. Marchamos com a certeza que não estamos sós e que nossa visão internacionalista alimenta nossa posição anticolonial e anti-imperialista e nossos ideais socialistas, democráticos e libertários.
Neste ano de 2022, temos o desafio de seguir nossa luta cotidiana por respostas para as necessidades concretas do nosso povo: comida, terra, água, serviços públicos, direito de existir sem violência. Essas lutas são parte da disputa pelo outro modelo de sociedade que queremos. Não há como acabar com a pobreza sem acabar com a exploração. Para ter uma vida sem violência e perseguição, precisamos de democracia, de poder popular, de valores libertários. As lutas não se separam, estão sempre articuladas e devem ser radicalizadas.
Por isso, nossa prioridade será a mobilização, a organização em cada canto desse país para ecoar nossas vozes todas juntas, em sintonia e em um só canto.
Nós, da Marcha Mundial das Mulheres, ecoaremos nossas vozes porque “resistimos para viver, marchamos para transformar”! Queremos construir grandes mobilizações no 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres. Esse é o sentido dessa data: marcar lutas articuladas e simultâneas em todo o mundo. Esperamos que, neste ano, o 8 de março seja a marca do nosso avanço para derrotar o neoliberalismo. Que essa mobilização cresça e se torne um processo de mudança incontornável.
*Nalu Faria é coordenadora da SOF e faz parte do Comitê Internacional da Marcha Mundial das Mulheres.
**A Coluna Sempreviva é publicada quinzenalmente às terças-feiras. Escrita pela equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista, ela aborda temas do feminismo, da economia e da política no Brasil, na América Latina e no mundo. Leia outras colunas.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.