Via Blog da Marcha Mundial das Mulheres
*Por Sarah de Roure
Há mais de 100 anos o 8 de março é a principal data do calendário feminista. Essa longa trajetória se atualiza em cada lugar do mundo e em diferentes momentos da história como um instrumento da ação coletiva das mulheres. Sabemos que há muito mais tempo as mulheres eram parte das lutas por emancipação e negras, indígenas, trabalhadoras já resistiam e construíam alternativas às muitas formas de dominação. Reunir as diversas mulheres de todo o mundo em torno de uma data é portanto essencial para construção de um sujeito político coletivo, que tem raízes, hisóorias e que coloca a igualdade e a liberdade como eixo de luta.
Há um ano, fomos às ruas em todo o Brasil com o lema “Aposentadoria fica, Temer sai”. Denunciamos que o golpe contra a presidenta Dilma não quis só trocar o nome de quem governa o país mas que nos fez perder a cada dia um direito. Foram cortados serviços públicos, e estão vendendo nosso país – o golpe foi e é contra todas nós. Prova disso é que, dos 12,2 milhões de desempregados no final de 2017, 50,6% são mulheres e entre as mulheres 64% são negras. A proposta da Reforma da Previdência e os cortes de programas sociais que tinham as mulheres como titulares, a redução do salário mínimo real, evidenciam que o machismo e a violência se aprofundam como parte do golpe.
Em 2018 as mulheres têm muito pelo que lutar. Sem democracia, o que vemos é o crescimento de setores conservadores e sua influência na politica e na economia. É justamente o conservadorismo que oferece uma boa justificativa para cortar os serviços públicos: “ Para quê creche e hospital se as mulheres vão cuidar das crianças e dos doentes?”. Em geral os que se empenham em reduzir os recursos dos serviços públicos e da previdência são os mesmos que cortam dos equipamentos de enfrentamento a violência e querem restringir o acesso ao aborto legal. O capitalismo, o patriarcado e o racismo continuam assim a manter as mulheres em uma situação de desigualdade, com menos acesso a renda e direitos.
Por outro lado, temos observado que o feminismo amplia e se enraíza em vários setores. Essa se tornou uma agenda geral na sociedade e não apenas dos movimentos feministas organizados. Há uma multiplicidade de pautas e grupos, mas também sentidos comuns e convergentes que passam por reconhecer o caráter patriarcal e racista do capitalismo e a centralidade da agenda do cuidado; a importância de defender a diversidade sexual; a necessidade de afirmar valores democráticos e formas horizontais de poder; e importância da auto-organização das mulheres.
Frente a esse crescimento há uma reação do mercado para incorporar o ideal de liberdade e igualdade. Basta ver por exemplo a linguagem feminista usada em propagandas de roupa e cosméticos vinculadas no 8 de março pelas mesmas empresas que exploram o trabalho e a vida das mulheres. Esse movimento banaliza e tira a radicalidade do feminismo. Como já nos alertaram, o mercado tenta fazer do feminismo o “novo espirito” do capitalismo global.
A atuação da MMM tem se pautado por uma crítica integral ao atual modelo e pela aposta por um feminismo antissistêmico que se opõe à atual ordem capitalista, patriarcal, racista, heteronormativa e colonial. Sabemos que essa aposta não é simples, mas certamente é a mais coerente com nossa defesa de uma nova sociedade com novas relações, outra forma de organizar o trabalho, de garantir a sustentabilidade da vida, e onde haja espaço para novas subjetividades baseadas na autonomia, reciprocidade e igualdade.
Compreendemos também que nosso horizonte de transformação e formas de luta se constrói em cada momento considerando o contexto vivido e como as forças dominantes estão operando. Por isso nesse momento, no Brasil, a luta pela democracia é essencial para criar condições para restabelecer uma agenda de mudanças. A democracia não se efetiva quando a economia está voltada para levar ao máximo o lucro, a espoliação, a exploração. Ou seja, a luta democrática não está separada da luta por igualdade.
No ano em que as eleições estão marcadas, há muitas coisas em jogo para as mulheres e para o povo brasileiro e não temos dúvida de que queremos ser parte ativa nessas definições. A afirmação do caráter anticapitalista, antipatriarcal, antirracista do feminismo é assim essencial para que seja parte de um projeto alternativo de sociedade. Para irmos além do patriarcado e do capitalismo, estamos construindo o feminismo que transforma o mundo e a vida das mulheres.
*Sarah de Roure é militante da Marcha Mundial das Mulheres em São Paulo