Por Maria Fernanda Marcelino publicado originalmente no Brasil de Fato*
Há 111 anos, durante uma conferência socialista, as mulheres propunham a realização de um Dia Internacional da Mulher Trabalhadora. 111 anos depois, no Brasil de 2021, vivendo há um ano sob o caos impulsionado pela pandemia, nos vemos diante da urgência de destacar as origens do 8 de Março como Dia Internacional de Luta das Mulheres. É uma história feminista, trabalhadora e socialista que, ao longo dos anos, tem sido negligenciada e se perdido no tempo, graças aos interesses do mercado.
A inspiração para o dia 8 de março tal como o conhecemos hoje surge de uma série de eventos iniciados a partir de 1908, pelas mulheres socialistas dos Estados Unidos, pelo direito ao voto. A partir de 1911 passa ser realizado internacionalmente ainda sem uma data fixa. As mulheres socialistas pautavam o direito ao voto, denunciavam a exploração capitalista e exigiam melhores condições de vida e trabalho. Mas precisamente no dia 08 de março de 1917, as mulheres russas vão além do que estava sendo proposto nos eventos anteriores e iniciam a greve que se tornou a revolução de fevereiro (para saber mais sobre essa história, sugerimos a leitura de As origens e a comemoração do dia internacional das mulheres, de Ana Isabel Álvarez Gonzáles). Em 1921, há exatos cem anos, outra conferência de mulheres propõe fixar a data no dia 8 de março, em homenagem à luta das revolucionárias russas.
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A organização das mulheres tem, desde os primórdios, um caráter internacionalista e comprometido com a transformação da sociedade como um todo. Com o passar dos anos, o 8 de março se manteve como a principal data unificada do calendário de luta feminista. É uma referência de mobilização no mundo inteiro e parte do calendário de lutas do conjunto dos movimentos sociais e setores de esquerda.
111 anos depois, as mulheres brasileiras vêm pautando o enfrentamento ao avanço do neoliberalismo predatório, do imperialismo, de um Estado antidemocrático, de políticas de morte e extermínio do povo.
Aqui no Brasil, foram as mulheres as primeiras a se levantar para denunciar o golpe contra a primeira presidenta eleita do país, Dilma Rousseff. Foram as mulheres as primeiras a sentirem a crescente ofensiva da direita conservadora e neoliberal na América Latina, que em 2016 levou a cabo um processo ilegítimo de impeachment. Um golpe político, jurídico e midiático, carregado de violência patriarcal, contra a democracia brasileira e contra uma mulher eleita com 54 milhões de votos.
O golpe levantou uma “ponte para o passado”, desfazendo conquistas importantes para a vida do povo e para a democracia. Também abriu caminho para uma eleição baseada na mentira, na desinformação, no conluio organizado pelos ricos desse país – e também de fora – e colocou no poder o que há de pior no Brasil. Bolsonaro é sinônimo do machismo, do racismo, do autoritarismo e da subserviência ao capital internacional.
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Agora, sentimos na pele os resultados: Bolsonaro atuou para disseminar um vírus mortal entre a população que hoje está desamparada e contando com um SUS (Sistema Único de Saúde) fragilizado e com a própria sorte para sobreviver. Sua ação de desestruturação do Estado nas áreas da saúde e assistência jogam milhares de pessoas para o desemprego, especialmente as mulheres e população negra que já viviam na informalidade e subempregos, e há uma escalada da violência e do feminicídio.
A violência contra as mulheres é estrutural, autorizada e naturalizada diariamente na nossa sociedade. Os assédios e abusos físicos e psicológicos, a violência doméstica, o feminicídio e a cultura do estupro tornam a vida mais perigosa para as mulheres. Há uma autorização “velada” para matar as mulheres, a juventude negra e pobre, os povos tradicionais, pessoas LGBTQI+. A isso se somam as garantias de acesso fácil a armas e o fim de políticas de prevenção e combate a violência sexista.
Em 2021, em um contexto de pandemia, que impõe restrições às mobilizações de rua, as mulheres não estarão em silêncio e nem desconectadas. Há um exército delas atuando para unificar e construir forças para derrubar Bolsonaro.
Uma amostra disso são as ações construídas nacionalmente para o dia 8 de março, que conectam mulheres do campo, cidade, águas e florestas. As ações de solidariedade se conectam à exigência do auxílio emergencial e da vacinação para toda a população. Esse é o cotidiano das mulheres que sustentam, ao mesmo tempo, a luta e a sobrevivência.
Por que dizemos “Fora Bolsonaro”?
Bolsonaro é o responsável por esse fundo do poço em que nos encontramos: sem saúde, sem segurança, sem direitos, sem dignidade. Bolsonaro faz tudo isso com amplo apoio de setores políticos e econômicos reacionários e de fundamentalistas religiosos, além da bancada ligada a militares e aos latifundiários. Avançam sobre nosso trabalho, nossa terra, nossos corpos. Os mesmos que cortam os direitos das e dos trabalhadores são os que tentam dificultar e impedir até que meninas e mulheres recorram ao aborto nos casos previstos em lei.
A portaria nº 2.282, que cria barreiras para o procedimento abortivo, atenta contra os direitos humanos. Enquanto retrocessos como esse tomam lugar no Brasil, nossas hermanas argentinas mostraram que, com muita mobilização e organização feminista, é possível avançar na construção da igualdade e da autonomia. No fim de dezembro de 2020, a Argentina legalizou o aborto até a 14ª semana, uma vitória para todas as mulheres da América Latina.
Bolsonaro tem atuado para desmontar o Estado e as instituições públicas de saúde, educação, assistência, entre outros serviços que são direito da população. E mesmo com os ataques, nosso Sistema Único de Saúde (SUS) segue salvando vidas e as universidades e institutos garantem a pesquisa, tratamentos, medicação e vacinação para crianças e adultos.
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Sofremos com desmontes e privatizações nas áreas da saúde, educação, assistência, bem como nas empresas públicas e bens comuns, como temos visto com a Eletrobrás, Petrobras, Correios. Essa é uma política sistemática desde a aprovação da Emenda Constitucional 55 (a PEC do Teto de Gastos, também conhecida como PEC da Morte), que foi votada por partidos como o PSDB, DEM, MDB e outros mais em 2016.
Todos eles são responsáveis pelo caos que estamos “vivendo”. Colaboraram para o avanço do negacionismo, mas agora tentam se distanciar de Bolsonaro e surfar na onda da conquista da vacina produzida pelo Instituto Butantã, como faz o PSDB – aliás, não nos esqueçamos de que Dória incluiu o Instituto em seu pacote de privatizações. Por isso, nossa saída é à esquerda: só com organização popular, feminista e antirracista intensa, poderemos tirar a direita do poder e reorganizar a economia, colocando a vida no centro das preocupações e das políticas.
Como sempre, as mulheres são que mais sofrem os impactos provocados pela pandemia, mas são as que garantem a sustentabilidade da vida. Não paramos um segundo durante a pandemia, assumindo tarefas domésticas e de cuidado redobradas. São mulheres, sobretudo negras e pobres, a maioria das profissionais da linha de frente do enfrentamento à covid-19, seja na saúde ou nos serviços.
As mulheres exigem: vacina já para todas as pessoas e manutenção do auxílio emergencial!
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Estamos falando de mais de 250 mil óbitos! Não é falta de informação ou planejamento, é um plano de extermínio da população pobre, indígena, quilombola e outros povos tradicionais que vivem em terras que ele deseja entregar para mineradoras, madeireiras, latifundiários.
O governo Bolsonaro, na figura de seu ministro do Meio Ambiente, já disse com todas as letras que seu plano nesse contexto de pandemia é “passar a boiada”. Trata-se de um governo que desmonta todas as políticas de incentivo à agroecologia e à soberania alimentar, privilegiando o latifúndio, o plantio de transgênicos, o uso liberado de venenos em larga escala, o desmatamento dos nossos biomas, a privatização e financeirização da nossa natureza, a poluição de nossas águas com lama e substâncias tóxicas.
Dos milhares de mortos no Brasil, 58 mil viviam no estado de São Paulo, que também não foi capaz de proteger a vida das pessoas, propor políticas de alimentação e combate à pobreza, garantir condições para a pesquisa e a autonomia na produção de vacina. Dória e Covas, priorizaram a garantia do lucro das empresas privadas com o discurso de proteger a economia. Há economia sem vidas? A vida do povo não pode ser tratada como descartável.
Há apenas um caminho para estancar a morte, a fome e o desemprego que nos assombra e é realidade de milhares de lares brasileiros: o impeachment imediato de Bolsonaro e de todo seu governo militarizado e corrupto.
Seguimos em marcha no Brasil e no mundo
Em todo o mundo, as mulheres seguem lutando e criando condições práticas para que a vida exista. Há inúmeros exemplos inspiradores: hortas comunitárias, restaurantes coletivos, campanhas de solidariedade e denúncia, ações simbólicas, entre tantas que ainda carecem de visibilidade.
Após 111 anos, seguimos lutando por nosso direito à vida, com vacina e auxilio emergencial. Estamos em marcha até que não exista mais fome e que a vida possa ser vivida sem violência, com direito de decidir sobre nosso próprio corpo. A força e o protagonismo do movimento de mulheres posiciona o feminismo como uma perspectiva essencial na construção de uma nova sociedade.
Neste 8 de Março de 2021, todas nós nos mobilizaremos com indignação e fúria feminista para exigir o impeachment do governo genocida. Precisamos tirar Bolsonaro para poder construir alternativas de vida, recuperar a democracia, colocar o cuidado e a vida digna no centro da política.
*Maria Fernanda Marcelino é historiadora, integra a equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista e é militante da Marcha Mundial das Mulheres.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rebeca Cavalcante