Por Natália Blanco e Renata Reis*
Publicado originalmente no Brasil de Fato
Hoje, 8 de março de 2024, as mulheres dão continuidade ao calendário unitário de lutas que no Brasil iniciou com inúmeros atos de denúncia e solidariedade à Palestina, assim como manifestações de solidariedade a indígenas assassinadas/os, como o caso de Nega Pataxó, na Bahia, e cacique Merong Kamakã, em Brumadinho (MG).
O Dia Internacional de Luta das Mulheres é uma data histórica de mobilização que impulsiona ações nacionais e internacionais para fazer avançar a agenda dos movimentos feministas, dos movimentos sociais e sindicais para transformar a vida das mulheres.
É na construção da luta feminista que reafirmamos nosso compromisso em apontar, propor e agir para desmantelar o patriarcado, o racismo, a lgbtfobia e as inúmeras e sucessivas formas de opressão inseparáveis da acumulação capitalista. Denunciamos as opressões que se manifestam na destruição da natureza, nos corpos, nas subjetividades e nos trabalhos das pessoas.
Nas últimas semanas vimos a atuação da extrema direita avançar em relação aos direitos das mulheres. Exigimos o restabelecimento da nota técnica conjunta nº 2/2024 /SAPS/SAES/MS e denunciamos a perseguição política da extrema direita dentro Ministério da Saúde em relação à pauta do aborto. A pressão realizada por esse campo político contribuiu para a suspensão da nota técnica sobre os serviços de atendimento às vítimas de violência sexual e os casos de aborto previstos em lei de acordo com o artigo 128 do Código Penal brasileiro.
Essa ofensiva está vinculada com uma série de ações do conservadorismo da extrema direita para se fortalecer e fazer avançar seu projeto econômico e político. Propostas que não têm nada a ver com o (falso) discurso em defesa da vida que é propagado, servindo para legitimar quais vidas merecem viver e quais vidas merecem morrer. O mesmo discurso que dita e aplaude a morte dos povos indígenas, do povo preto, das pessoas LGBT+ aqui no Brasil, bem como na Palestina.
As mulheres foram as primeiras a se oporem a esse projeto desde o golpe de Dilma Rousseff em 2016 e a construir resistência das ruas durante o governo bolsonarista. Neste 8 de março, essa pauta se reafirma, pois para compreender e transformar as dinâmicas impostas à vida das mulheres não basta pensar em recortes, temas, ou questões específicas. Estamos falando de questões sistêmicas e estruturais da sociedade que demandam visão estratégica de transformação, formação, organização e lutas populares feitas em alianças.
Para a democracia avançar de fato com participação popular, é inadmissível o projeto de lei de Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e que tramita no Senado, a pedido de Bolsonaro, para anistiar os golpistas envolvidos nos ataques do dia 8 de janeiro de 2023. As ações dos movimentos populares que compõem as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular têm atuado fortemente na campanha “sem anistia para golpista!”, para que todas as pessoas envolvidas nos ataques de janeiro sejam investigadas, julgadas e punidas; e, sobretudo, para Bolsonaro, investigado e com provas, em cinco inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), envolvendo a tentativa de golpe, milícias digitais, fraudes e má gestão da pandemia e interferências na Polícia Federal (PF).
As dinâmicas do capitalismo encarnadas nesta extrema direita utilizam e usurpam de valores simbólicos, culturais, para exercer e praticar o controle e as violências que desumanizam as mulheres, em sua ampla diversidade de contextos e experiências, a classe trabalhadora, os povos e as comunidades em resistência.
Resistir e construir alternativas
Neste cenário as mulheres, das cidades, do campo, das florestas, das águas, são as principais protagonistas nas resistências e na construção de alternativas para um outro mundo e outras relações. Fazendo agroecologia, economia solidária, produzindo conhecimento, comunicação e cultura, denunciando e acompanhando pessoas vítimas de violência, recuperando saberes ancestrais, são apenas alguns dos inúmeros exemplos de como as mulheres pautam um outro modelo econômico baseado em valores, colocando a sustentabilidade da vida no centro. Compreendendo a vida em seu sentido amplo, entendendo que as relações humanas e não humanas e com a natureza são interligadas, e que precisam de cuidados entre si para a garantia de um Bem Viver para todas as pessoas e a natureza.
É por isso que atuamos, construímos e queremos ver avançar a Política Nacional de Cuidados, fruto de um processo participativo entre o governo federal e sociedade civil. Todas as pessoas demandam cuidados e esse trabalho não deve recair apenas nos ombros das mulheres. Deve ser um trabalho de toda a sociedade e do Estado, por meio de políticas públicas.
Organização popular, solidariedade e integração entre os povos
Neste sentido, vemos como os movimentos no Brasil, nas Américas e no Caribe buscam avançar com as estratégias de organização popular. Em fevereiro deste ano, mais de 4 mil pessoas, incluindo militantes de movimentos populares, sindicais, organizações sociais e representantes de governo de mais de 20 países do continente estiveram em Foz do Iguaçu para a Jornada Latino Latino-Americana e Caribenha de Integração dos Povos.
Com a proposta de retomar com força o debate sobre integração e atualizar os acúmulos dos movimentos em eixos estratégicos, foram dois dias de debates intensos que resultaram em uma “Carta aos povos pela integração da América Latina e do Caribe”, que propõe caminhos para fortalecimento das resistências e saídas frente ao modelo neoliberal.
Outro marco importante deste ano será o 3º Encontro Nacional da Marcha Mundial das Mulheres “Nalu Faria”, entre os dias 25 a 28 de julho na cidade de Natal, Rio Grande do Norte. O último encontro aconteceu em 2013, em São Paulo, e expressa neste momento de mudanças e tensões na conjuntura nacional e internacional, a importância da auto-organização das mulheres.
Com participação politica popular efetiva neste governo, e em aliança com outros movimentos populares, para também construir outra governabilidade que não mais refém dos interesses da extrema direita e do poder corporativo.
Solidariedade ao povo Palestino: Cessar fogo já!
O povo palestino sofre com um genocídio em curso, há cinco meses vivendo ininterruptamente dias de bombardeios, assassinatos em massa, situações de escassez de alimentos e outros insumos, extrema pobreza e desumanização. Exigimos “Cessar fogo, já” e que a comunidade internacional atenda aos apelos das mobilizações populares para o estabelecimento de um Estado palestino soberano e livre. De acordo com dados divulgados na última semana pelo Ministério da Saúde da Palestina, o número de pessoas mortas já chegou a 30 mil.
Dentre essas pessoas, mulheres grávidas e crianças, o futuro de um povo inteiro ameaçado pela militarização e o imperialismo. Lula está correto em denunciar o genocídio em curso na abertura da 37ª Cúpula da União Africana, na Etiópia, em 17 de fevereiro, e é por isso também que é urgente que o governo brasileiro suspenda todos os contratos e convênios para compra de armamentos e outros materiais ligados à segurança.
Seguindo em marcha construindo memória
Para nós que acreditamos na memória viva também como forma de resistir à expropriação capitalista das nossas histórias de resistência, relembramos a prática feminista de Nalu Faria. Nalu, com sua prática de corpo-mente-coração presente, contribuiu na abertura de novos horizontes possíveis para os nossos tempos. Fruto de acúmulos teórico práticos imensuráveis (que nós da SOF e outras companheiras estamos tentando reunir), que retomam rotas já traçadas pela resistência dos povos e sua força política coletiva.
Ecoamos mais uma vez então as palavras de Nalu, escritas em seu primeiro texto ano passado, que para seguir na tarefa permanente de tirar a extrema direita do poder é urgente “radicalizar os processos de lutas que já estamos construindo a partir de uma perspectiva da pluralidade de sujeitos e de resistência ao atual modelo”.
Neste 8 de março, relembramos a importância deste dia de luta e resistência para o movimento feminista. Esta data marca reafirma um calendário de lutas em conjunto aos movimentos sociais. Temos o desafio de trazer os grandes temas da conjuntura, como o enfrentamento da extrema direita, a punição dos golpistas e denuncia ao genocídio do povo palestino. Estas lutas estão juntas as nossas pautas históricas de luta pelo fim da violência contra as mulheres e a legalização do aborto.
* Natália Blanco é jornalista e comunicadora popular e Renata Reis é formada em Serviço Social. Ambas são militantes da Marcha Mundial das Mulheres e integram a equipe da Sempreviva Organização Feminista.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato
Edição: Geisa Marques