A Marcha Mundial das Mulheres, junto ao Sindicato dos Servidores das Justiças Federais (SISEJUFE) e à SOF, promoveu o seminário “Mulheres e mundo do trabalho” nos dia 20, 21 e 22 de fevereiro, no Rio de Janeiro. O encontro trouxe debates sobre o trabalho das mulheres hoje e reflexões sobre a construção da luta política feminista, antirracista e anticapitalista.
Via redação Sisejufe
No primeiro dia, as discussões giraram em torno dos Eixos para uma resistência anticapitalista, com a mediação de Neli Rosa, diretora e integrante do Departamento de Gênero e Raça do Sisejufe. Para a primeira palestrante, Dara Sant’anna, representante da União Nacional dos Estudantes (UNE), as feministas precisam estar com outras mulheres, seja nas famílias, nas igrejas ou em outros espaços de convívio.
A luta é árdua para uma mulher, mãe e agricultora. Aparecida Conceição de Oliveira, representante do Assentamento do Visconde, em Casimiro de Abreu, contou sua história de vida de combate ao machismo e de organização das trabalhadoras. De acampada a assentada, hoje ela impulsiona o grupo de trabalho de mulheres Serra Mar “por amor de estar junto com as companheiras da gente”. Nesse espaço, elas podem falar de outros temas, além da casa, marido, filhos e lavoura. Esse ano, ela quer ir novamente à Marcha das Margaridas, manifestação nacional organizada pelas trabalhadoras rurais. “Quando a mulherada se junta, mostra a força que tem.”
Para Sônia Coelho, integrante da SOF Sempreviva Organização Feminista e também da Marcha Mundial de Mulheres, há um acirramento do neoliberalismo, com uma concentração de riqueza nunca vista na história,
onde tudo vira mercadoria, lucro. “Essa fase do capitalismo é incompatível com a democracia”. No entanto, a educadora popular também aponta caminhos para mudar essa realidade e aposta em formas coletivas
de viver. “O feminismo é uma ferramenta de luta e auto-organização das mulheres.”
O capitalismo é incompatível com a vida
A centralidade do trabalho para as lutas feministas foi o tema do segundo dia do evento, que teve a mediação da integrante do Núcleo Sindical da Marcha Mundial das Mulheres e diretora do Sisejufe Lucena Pacheco. Elaine Monteiro, diretora de Mulheres da União Estadual dos Estudantes (UEE), abriu os debates analisando a questão do trabalho feminino sob uma perspectiva histórica e destacou que a escravidão foi norteadora para delimitar as relações que se tem hoje no Brasil, sejam pessoais, sociais ou de trabalho. Nesse sentido, as mulheres negras se mantiveram em posições de trabalho estigmatizadas, como camelôs, vendedoras, doceiras e empregadas domésticas. “Uma grande parcela das mulheres não está no trabalho formal ou em profissões que respeitem as leis vigentes”, afirmou. Para a representante da UEE, a precarização do trabalho tem rosto feminino.
A segunda palestrante, professora e secretária de Comunicação da CUT/RJ, Duda Quiroga, ressaltou que mais recentemente, quando as mulheres tiveram ampliada sua participação no mercado formal, muitas carreiras
foram feminizadas. Houve então um achatamento salarial, sustentado pelo raso argumento de que seu salário é apenas complementar, mesmo que a maioria seja chefe de família. Por outro lado, na opinião da sindicalista, houve avanços no universo das lutas sindicais. “As mulheres precisam cobrar cada vez mais participação nas mesas de
negociação consideradas estratégicas”.
A militante da Marcha Mundial das Mulheres Ana Priscila Alves diz que hoje há uma nova forma de organização do capital. “Nós feministas acreditamos que existe uma outra forma de economia, que chamamos de economia feminista, que diz que o capitalismo é incompatível com a vida.” Se nas últimas décadas o neoliberalismo se apresentou de uma forma em que as mulheres precisavam ser inseridas no mercado de trabalho, agora, em
crise, o estado passa a não garantir o mínimo para viver. “Então o capitalismo e o neoliberalismo se viram para as mulheres e dizem: volta pra casa.” A feminista francesa Simone de Beauvoir já dizia que basta uma crise para que os direitos das mulheres sejam questionados. “Se cada um precisa cuidar de si mesmo, quem cuida da casa, do trabalho
doméstico, da rotina das nossas vidas? Sempre serão as mulheres. A gente vive essa dualidade”, afirma.
Mobilização para manter e ampliar direitos
Na última noite do evento, foram discutidas as Dinâmicas Atuais da Exploração do Trabalho. A assessora política do Sisejufe, Vera Miranda, falou sobre os riscos de discursos como o do empreendedorismo que diz “trabalhe no seu tempo, na sua casa, fique mais perto da sua família” e que na verdade desorganizam as mulheres. Ela criticou duramente a flexibilização dos direitos da classe trabalhadora. “Esses ataques nos dão a certeza da necessidade de manutenção da luta”, concluiu.
Cleide Pinto, da Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas, contou sobre a complexidade de seu trabalho e de organizar essas mulheres. Há muito afeto envolvido. No seu caso, como não ter sentimentos por pessoas com as quais convive há mais de 30 anos? Ela ressaltou ainda que muitas vezes, as patroas são vistas como mães ou irmãs e assim fica difícil cobrar direitos na justiça. Caso a categoria perca novamente os direitos conquistados recentemente como férias, Fundo de Garantia e Seguro Desemprego, Cleide avalia que é um retorno à senzala.
Para Bianca Bonfim, integrante do Movimento da Mulher Advogada e do Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes, o trabalho do cuidado deveria ser público, um bem comum, visto sobre a ótica da solidariedade, pois qualquer ser humano pode ficar vulnerável ou mesmo ter um familiar doente. Mesmo com todos os avanços das mulheres, essa tarefa continua sendo invisível e vista como feminina.
Bianca aponta alguns caminhos, como o envolvimento dos homens nesses espaços de cuidado, transformando, por exemplo, a licença maternidade em licença parental, dividindo o tempo de afastamento entre os pais, o que poderia diminuir a discriminação no mercado de trabalho. No entanto, para mudar profundamente a realidade, seria preciso aumentar a participação das mulheres nas instâncias de decisão, o que poderia ser estimulado por cotas nos espaços de poder.
As mesas do Seminário estão disponíveis online:
Em momentos de crise, a mulher sendo a força que sustenta a família é a que mais sofre com as mudanças. Hoje o mundo capitalista e ainda machista em que vivemos atropela os direitos feministas a qualquer ameaça de mulher no mesmo patamar, mulher com os mesmos direitos e mesma voz. Lugar de mulher é sim onde ela quer e se for lutando por nossos direitos melhor ainda, pois vamos conquistar ainda muito mais através de articulações como essas.