A premiação da Câmara de São Paulo condecora militantes e entidades pela atuação em defesa de direitos das mulheres
Por Fabiana de Oliveira Benedito, via Brasil de Fato
O plenarinho da Câmara Municipal de São Paulo foi tomado por vozes feministas que “femenagearam” Cleone Santos, da Organização Não Governamental (ONG) Mulheres da Luz, e o Centro de Defesa e de Convivência da Mulher Casa Cidinha Kopcak, representado pela coordenadora e militante Ivone Assis Dias. “Nós temos que mudar tudo, inclusive a língua, né?”, afirmou Amelinha Teles, da União de Mulheres de São Paulo, para justificar a substituição da palavra homenagem por “femenagem” – um jeito feminista de prestigiar a atuação de mulheres e homens.
As “femenageadas”
Cleone Santos esteve 18 anos em situação de prostituição. Hoje, ela coordena, junto de outras militantes, o grupo Mulheres da Luz, que dá apoio para quem vive a mesma situação. A sede da ONG fica justamente no Parque da Luz, conhecido por concentrar a prostituição de mulheres com idade acima de 40 anos, negras, moradoras das periferias e com baixo nível de escolaridade, que são, além disso, responsáveis pelo sustento de suas famílias. No espaço, elas recebem oportunidade de alfabetização e criação de alternativas de renda, além de informações e serviços de saúde.
“Eu quero dizer que essa ‘femenagem’ não é pra Cleone. É pra todas nós que estamos na luta no dia a dia. Nós queremos mostrar às pessoas, e pra nós mesmas, que ninguém vai para a prostituição por escolha, alguma coisa impulsiona”, declarou Cleone. “E também mostrar que tem mulheres, nas ruas, que às vezes a gente passa por elas, as vê, mas não as enxerga. Essas mulheres estão ali, às vezes com seus 40, 50, 60 anos, prostituindo sim, pra buscar um litro de leite, um pão”, acrescentou.
Cleone é o nome dela,
Vamos Femenagear,
Ela muda o mundo pelas pontas,
Invade cotidianos sem temer os poderosos
seu combate é diário
é onde o fogo não se apaga
Mas ela como um instintor desincendeia
as tentativas de minar a vida
das mulheres que lutam por existir
Defende os corpos-sobrevivência
Abre caminhos
vade retro patriarcas
Aqui temos fêmeas de coragem
(Trecho do Poema/Intervenção criado para a entrega o Prêmio Heleieth Saffioti – 2019 | Marta Baião)
Já o Centro de Defesa e de Convivência da Mulher Casa Cidinha Kopcak atende, desde 2002, mulheres em situação de violência e oferece orientação e encaminhamento social, jurídico e psicológico na região de São Mateus, zona leste da capital paulista. O nome dado ao serviço prestigia a militante Maria Aparecida Pedra Kopcak, que durante toda a sua vida lutou pelos direitos das mulheres e de toda a população.
“Esse prêmio é resultado desse trabalho de 16 anos. É uma síntese das nossas ações e do nosso olhar voltado para as mulheres”, afirmou Ivone Assis Dias, que trabalha como coordenadora do espaço. “Nós atendemos mulheres que necessitam muito desse olhar, de apoio, de solidariedade e do nosso empenho”, completou. De acordo com Ivone, o trabalho não se restringe aos atendimentos na Casa, tem foco em toda a comunidade e é fortalecido pela atuação no movimento feminista.
Agora vamos entrar numa Casa
que tem nome de uma feminista
que fez história pra valer
a Casa Cidinha Kopcak
Uma referência para a mulher
Lá se descobre que o amor
não pode rimar com dor
Viva Ivone, Priscila, Ariana,
elas desafiam a história
rompem com um destino traçado
não permitem a opressão
A Casa Cidinha é um território de mulher.
Bem, está na hora de festejar
Viva a nossa liberdade!
Mariele Vive! #Lulalivre!
(Trecho do Poema/Intervenção criado para a entrega o Prêmio Heleieth Saffioti – 2019 | Marta Baião)
A premiação
O Prêmio Heleieth Saffioti foi criado em 2012, nos 80 anos da conquista do voto feminino no Brasil, a partir de um projeto da vereadora Juliana Cardoso, e condecora mulheres ou entidades com destacada atuação em defesa dos direitos das mulheres e combate à violência na cidade de São Paulo.
No sétimo ano consecutivo de premiação, Juliana reforçou a importância deste reconhecimento, para estas mulheres, na atual conjuntura política nacional. “É para que vocês tenham coragem, que vocês tenham força pra enfrentar momentos tão difíceis da política brasileira. Uma política que quer colocar, nas mãos dos homens, mais armas, credenciar as armas nas mãos dos homens, e a gente sabe o que isso significa para as nossas vidas”, ressaltou a parlamentar.
Heleieth Saffioti
A pesquisadora, escritora e militante que dá nome ao prêmio, Heleieth Iara Bongiovani Saffioti (1934-2010), estudou o tema da mulher na sociedade de classes, nos anos 1960. Sua principal obra, A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, foi publicada em 1969, em plena ditadura militar e mesmo hoje, 50 anos depois, é reconhecida como um texto atual e imprescindível para compreender a exploração das mulheres no capitalismo, sendo pioneiro nas discussões sobre feminismo, marxismo e luta de classes no Brasil.
Saffioti se formou em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de São Paulo (USP), foi professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde criou um núcleo de estudos de gênero, e também recebeu o título de professora emérita da Unesp de Araraquara (SP), onde se aposentou. Em 2015, Araraquara ganhou uma biblioteca com o acervo pessoal da socióloga.
Além de Amelinha, a cerimônia, que foi realizada nessa segunda-feira (25) e acontece desde 2012, também contou com a participação de Vera Machado, da Marcha Mundial das Mulheres, Marta Baião, do Centro de Informação Mulher, Nádila Coelho, do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (do Ministério Público de São Paulo), Sandra Mariano, da Articulação Popular e Sindical de Mulheres Negras de São Paulo, Herbert Ives Bongiovanni, irmão de Heleieth Saffioti, o vereador Eduardo Suplicy (PT), que é presidente da Comissão de Direitos Humanos, a vereadora Juliana Cardoso (PT), que presidiu a sessão e é criadora do prêmio, e o movimento sociocultural Amigas do Samba.