Nos dias 14 e 15 de maio de 2019, realizou-se um encontro para discutir o tema da Economia Verde na região do Vale do Ribeira. O evento aconteceu no Quilombo Ribeirão Grande, em Barra do Turvo, e reuniu comunidades quilombolas, agricultores e agricultoras familiares, além de movimentos sociais e organizações parceiras,.
O primeiro dia de encontro reuniu doze agricultoras familiares e quilombolas de cinco grupos de mulheres, de associações dos quilombos e da CONAQ, técnicas da Sempreviva Organização Feminista (SOF), e representantes regionais da Marcha Mundial das Mulheres MMM). Foi um momento de socializar a experiência que duas agricultoras (organizadas nos grupos de mulheres da Barra do Turvo) tiveram em um encontro sobre Economia Verde e Auto-organização das mulheres, que ocorreu em Rio Branco, Acre, entre os dias 02 e 04 de maio. A atividade no Acre foi realizada em conjunto pela SOF, CIMI e Rede Mundial de Bosques (WRM).
Além disso, representantes da CONAQ e da MMM apresentaram o processo do Grupo Carta de Belém, que completa 10 anos de atuação, e a proposta de realizar uma atividade de debate no estado de São Paulo. Os mecanismos da Economia Verde e como eles funcionam continuaram a ser debatidos por meio da leitura coletiva de texto elaborado pela equipe da SOF.
Como age a economia verde
As mulheres, além de explicarem umas para as outras como funcionam os mecanismos de REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal) e PSA (Pagamentos por Serviços Ambientais), que são apresentados como soluções compensatórias do mercado mas, na verdade, mantém o mesmo sistema de destruição. Elas trouxeram o que aprenderam sobre como o REDD, que já está muito presente no Estado do Acre, está afetando a vida das comunidades lá, e refletiram sobre suas próprias realidades.
“É como se tivessem financiando uma pessoa aqui, para ficar bonito aqui, e eles poderem destruir tudo lá”, concluiu uma das quilombolas. “Temos que pensar de onde vem o nosso dinheiro, como isso limita o nosso jeito de trabalhar, se isso não está causando um mal em outro lugar”.
Essa situação tem atingido as mulheres agriculturas familiares e indígenas de forma mais acentuada, por terem menor incidência nas organizações coletivas e nos espaços de decisão, que é justamente por onde esses mecanismos entram no território. Elas também têm sentido mais os efeitos que esses mecanismos exercem na perda de autonomia sobre o trabalho, por estarem mais vinculadas à terra e ao trabalho da agricultura para autoconsumo.
Neste encontro no Acre, as mulheres alertaram que muitas vezes estes projetos trazem como contrapartida ações que não tem relação com os modos de vida das comunidades, e que muitas vezes só servem para inserir a comunidade no circuito do mercado capitalista e concentrar renda na mão de alguns, ao invés de fortalecer a autonomia coletiva. Uma das Cacicas do encontro deu como exemplo o fato de que a contrapartida do projeto na região era a construção de açudes: “Eu nunca vi índio precisar de açude para criar peixe”, disse.
O que estamos fazendo
O segundo dia do evento reuniu, além das mulheres dos grupos, outros agricultores e quilombolas da Barra do Turvo, militantes de movimentos sociais e membros de organizações parceiras. Neste momento se somaram representantes do Observatório dos Conflitos Rurais em São Paulo, EAACONE, MAB, MOAB, Fórum de Comunidades Tradicionais e outras associações de quilombos. O encontro durou o dia inteiro e teve como objetivo trocar as elaborações que estamos fazendo, em cada campo de atuação, em relação à Economia Verde. Também permitiu conversar sobre os projetos, principalmente de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), que têm se aproximado do território.
Também se tratou do avanço da mineração e da ameaça de privatização das unidades de conservação, estratégias apoiadas pelo governo Bolsonaro. Se falou muito da importância de fazer conversas e formações nas comunidades em relação a estes projetos. Principalmente nesse contexto de desmonte de políticas públicas, as pessoas estão cada vez mais ficando sem meios de ter renda: “foi passando um filme na minha cabeça, porque andando nas comunidades as pessoas sempre falam ‘a gente preserva, mas não tem acesso a nada, não posso fazer isso, não posso fazer aquilo’, então o REDD tem uma lógica muito coerente para as pessoas serem atraídas”, disse uma das participantes.
Como resposta ao que chamamos de “falsas soluções” para o meio ambiente e para as mudanças climáticas, as participantes buscaram alinhar suas visões sobre o que poderiam ser as reais soluções, baseadas na luta das comunidades nos territórios. O fortalecimento das organizações de base nos territórios (como movimentos, associações, grupos de mulheres etc) foi destacado como meio importante de manter as comunidades mais fortes e com mais capacidade de resistir à ofensiva da Economia Verde. Além disso, o fortalecimento da agroecologia e da economia solidária – iniciativas que já existem no território – apareceram como meios de continuar existindo e resistindo, mantendo a autonomia e fortalecendo a organização coletiva.
O encontro também foi um momento de prestar solidariedade e compreender o processo que está acontecendo no Quilombo do Cedro, em que a comunidade está sendo multada como se fosse responsável por um incêndio que, na realidade, foi causado por uma pessoa de fora. A área queimada já havia sido incendiada antes, em outro incêndio criminoso, e foi reflorestada pela comunidade. Depois do segundo incêndio e diante da impossibilidade da comunidade arcar de novo com o custo de algo que não cometeu, foi instaurada uma multa de 6 milhões de reais para a comunidade (o caso foi investigado pelo jornal The Incercept). A comunidade está recorrendo da decisão na justiça e recebendo apoio de organizações e movimentos parceiros.