Nesse mês de agosto, a SOF realizou diálogos sobre mulheres, trabalho e desmontes da democracia com as pesquisadoras Flávia Biroli e Barbara Castro. Para saber sobre a apresentação de Flávia, clique aqui.
No dia 9 de agosto, a SOF organizou um espaço de reflexão coletiva sobre o impacto do salário mínimo e das transformações no mercado de trabalho nas desigualdades de gênero e raça.
A reflexão foi motivada pela necessidade de fazer um balanço da política de valorização do salário mínimo e de debater os desafios da construção de agendas feministas que coloquem o trabalho e as condições de vida no centro da política.
No início da tarde, Miriam Nobre, da SOF, retomou o processo de discussão realizado pela Rede Economia e Feminismo (REF) e pela Marcha Mundial das Mulheres no início dos anos 2000, que culminou na campanha pela valorização do salário mínimo. “Dobrar o valor do salário mínimo em quatro anos para combater a pobreza entre as mulheres”, era um eixo dessa campanha que, em 2003, colocou essa política como uma estratégia para distribuir a renda e diminuir as desigualdades salariais, marcadas por gênero e raça.
A Campanha combinou uma estratégia de educação popular, elaboração de materiais, como uma cartilha, que marcaram um olhar feminista para a economia. Com essa agenda, as militantes da MMM construíram debates e propostas junto aos movimentos sindicais, afirmando as mulheres como sujeitos da política econômica naquele momento de início do governo Lula. O salário mínimo entrou com força na agenda, e foi incorporado nas reivindicações da Marcha das Margaridas.
Após essa breve retomada, Bárbara Castro (UNICAMP) apresentou uma análise dos dados do mercado de trabalho de 2003 a 2018, realizada em conjunto com Helena Hirata (USP/CRESPPA-GTM), também presente na atividade.
A análise revelou aspectos como os impactos da valorização do salário mínimo na vida das mulheres; a inserção massiva (+49%) de mulheres negras no mercado de trabalho formal no período; o aumento do rendimento real, especialmente entre trabalhadores/as de baixa renda; redução da diferença de rendimento médio das mulheres em relação aos homens (de 70% para 75%), e de negras/os em relação a brancas/os. Ao mesmo tempo, revelam a persistência da divisão sexual do trabalho e do racismo, que se expressam na desocupação (ainda de maioria de mulheres negras), na desigualdade de rendimento, que apesar de reduzida ainda persiste, sendo a maior distância entre as mulheres negras e os homens brancos; além de ser persistente também entre os trabalhos de maioria feminina e masculina.
A análise chamou a atenção para como a piora das condições de vida e trabalho é marcante e acelerada a partir de 2015. Os dados de 2017 e 2018 evidenciam que a ausência de reajuste no salário mínimo gerou um decrescimento do valor, que impacta a população trabalhadora, somado a uma política econômica de cortes nos investimentos públicos e a um aumento do trabalho informal, do desalento (quando a pessoa está sem perspectivas e nem procura mais emprego) e do desemprego, especialmente entre a juventude. Se até 2014 os indicadores apontavam para cima no que diz respeito ao emprego e à renda, a partir de 2015 há uma rapidez na desconstrução, que se expressa na queda brusca dos gráficos mostrados pela pesquisadora.
A reflexão coletiva se debruçou sobre a intensificação da informalidade e de trabalho ‘flexíveis’ e sem direitos, facilitados pela reforma trabalhista aprovada em 2018, que retira direitos importantes das e dos trabalhadores, e reconfigura conceitos de formalidade e informalidade, gerando efeitos como a chamada “uberização”.
São muitos os desafios para dar centralidade ao trabalho na agenda feminista. Os espaços de discussão coletiva entre militantes e pesquisadora são preciosos para avançar nas compreensões comuns, com a tarefa de ampliar a discussão e a capacidade de organização e mobilização para resistir e enfrentar os retrocessos.