Por Fabiana de Oliveira Benedito* originalmente publicado no Brasil de Fato
A retórica bolsonarista anuncia uma ameaça permanente à família. Diante disso, as políticas e discursos violentos de quem compõe o governo de Bolsonaro fazem alusão à defesa da instituição familiar. Essa defesa está inscrita até mesmo no nome de uma pasta ministerial, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves até recentemente. Antes do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), o nome era Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. A mudança no título e a inclusão da “família” na nomenclatura da pasta não são detalhes.
No processo eleitoral de 2018, a suposta criação de um “kit gay” pelo então presidenciável Fernando Haddad (PT), que havia sido Ministro da Educação no governo Dilma, foi uma das principais mentiras espalhadas por Jair Bolsonaro, que utilizou principalmente o WhatsApp para disseminar fakes news massivamente, com o apoio financeiro dos grandes empresários. O suposto “kit gay” na verdade era um termo pejorativo para se referir ao projeto Escola sem Homofobia, proposto pelo Legislativo e elaborado em diálogo com organizações que defendem o respeito à livre expressão da sexualidade.
O ataque conservador às discussões sobre gênero e sexualidade nas escolas também marcou o período anterior às eleições de 2018, quando, sob o falacioso termo “Escola sem Partido”, os direitistas passaram a afirmar que discutir esses temas com estudantes era “doutrinação esquerdista” e incentivo à sexualização de crianças e adolescentes.
Muitos episódios evidenciam o conservadorismo que ataca grupos vulnerabilizados, invisibilizados e estigmatizados pela sociedade. As consequências deles também são muitas. Episódios recentes de meninas que foram estupradas, engravidaram e tiveram o direito ao aborto legal e seguro obstaculizado pela Justiça trouxeram à tona a urgente necessidade de discutir sexualidade com crianças e adolescentes, cada vez mais, para que elas possam identificar e denunciar possíveis abusos. No mesmo sentido, a crescente violência contra pessoas LGBT+ reforça a importância de enfrentar coletivamente o preconceito e de reafirmar o direito de viver livremente diferentes orientações sexuais.
O conservadorismo e a defesa da família patriarcal
Quando Bolsonaro e os bolsonaristas falam em defesa da família, eles não estão se referindo às múltiplas configurações que os arranjos de afeto e cuidado podem assumir na sociedade. Na verdade, o que eles estão defendendo é um modelo de família cujas bases são a heterossexualidade obrigatória e a divisão sexual do trabalho, ou seja, uma família em que há uma ou mais mulheres que são responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados – e que também são “belas, recatadas e do lar” – e na qual há homens exercendo seu poder patriarcal. Assim, o ataque à livre expressão da orientação sexual não é mera questão cultural ou um incômodo supostamente irracional com pessoas que vivem de maneiras diferentes daquela que é hegemônica. Trata-se, antes de tudo, de uma defesa da organização patriarcal da sociedade e da vida.
Diante disso, às vezes explicitamente, outras vezes implicitamente, fica posto que aquelas experiências que destoam do que é hegemônico – ou seja, da heterossexualidade – devem ser punidas. A punição acontece na forma de violência física, verbal, psicológica e patrimonial (visto que muitas pessoas são expulsas de casa), e também se dá a partir da invisibilização.
A invisibilização da existência lésbica
19 de agosto é o Dia do Orgulho Lésbico e 29 de agosto é o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. As datas propõem visibilizar existências que têm sido sistematicamente apagadas na sociedade, de modo geral, e mesmo dentro do movimento LGBT+, visto que muitas práticas e discursos não levam em conta a dupla constituição da lesbofobia, que não se dá apartada da opressão patriarcal.
O conservadorismo ataca a existência lésbica, tratando-a como um pecado e uma condição antinatural. Por outro lado, esse apagamento também se dá quando a lesbianidade é vista como algo “diverso”, extrínseco à experiência das mulheres. Além disso, também acontece pela compreensão da heterossexualidade como uma simples “preferência”, negando que ela tem sido imposta como norma, visto que quem não a segue deve ser punida, e que ela organiza não só relações pessoais e os afetos, mas também a dinâmica da sociedade.
Por visibilidade e direitos, contra a violência e a mercantilização
Neste agosto, mês do orgulho e da visibilidade lésbica, defendemos a celebração da lesbianidade, compreendendo-a como uma agenda política, na contramão de leituras que ignoram a base material e violenta da realidade das pessoas homossexuais, sobretudo mulheres, ao redor do mundo; uma violência física, mas também simbólica, refletida na falta de direitos, na invisibilidade e em estereótipos.
Nesta data, também questionamos a mercantilização e a medicalização do sofrimento de mulheres lésbicas. Mais do que um assunto pessoal, de escolhas individuais, é preciso questionar as lógicas perversas do capitalismo que criam padrões irreais, insustentáveis, para que mulheres se sintam desconfortáveis em relação a seus corpos e sexualidades, para depois precisarem comprar soluções individuais para curar essas dores.
Pelo direito de viver, é preciso transformar o Brasil
Queremos uma transformação radical da sociedade, que rompa com a divisão sexual do trabalho baseada no modelo de família tradicional, que rompa com o binarismo de gênero, não de forma superficial, mas questionando os modelos que organizam esse sistema baseado na exploração e no estereótipo.
Em 2022, no Brasil, temos a oportunidade de construir um novo projeto para o Brasil, onde caibam diferentes modos de existir e resistir. A construção desse novo momento passa imprescindivelmente pela derrota de Bolsonaro e do bolsonarismo. Por isso, nos somamos à grande mobilização das mulheres e do povo brasileiro para que essa derrota seja imposta. Vamos eleger Lula e garantir as condições democráticas para que possamos seguir na luta pela transformação da sociedade e para que os direitos das mulheres lésbicas e de outros grupos vulnerabilizados sejam assegurados pelo Estado.
*Fabiana de Oliveira Benedito é comunicadora, integrante da equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista e militante da Marcha Mundial das Mulheres.
**Este texto foi escrito com a contribuição de Luiza Mançano, comunicadora, tradutora e militante da Marcha Mundial das Mulheres.
***A Coluna Sempreviva é publicada quinzenalmente às terças-feiras e aborda temas do feminismo, da economia e da política no Brasil, na América Latina e no mundo. Leia outras colunas.
****Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Glauco Faria