Por Ingrid Figueirêdo e Natália Blanco*, publicado originalmente no Brasil de Fato

Para as feministas brasileiras, 2024 foi um ano de formulação coletiva e articulação regional, com diversos espaços de fortalecimento popular. Exemplos disso não faltam: antes mesmo do 8 de março, as mulheres marcaram presença na Jornada Latino-Americana e Caribenha de Integração dos Povos, realizada em Foz do Iguaçu. Depois, em julho, o 3º Encontro Nacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) do Brasil “Nalu Faria”, reuniu mais de mil mulheres no Rio Grande do Norte (RN). Em novembro, por ocasião da reunião de líderes mundiais no Rio de Janeiro, movimentos e organizações da sociedade civil se encontraram nas atividades do G20 Social e da Cúpula dos Povos.

Em âmbito regional, porém, a Marcha Mundial das Mulheres ainda organizou uma última agenda: o Encontro Regional “Nalu Faria” reuniu mulheres de 16 países das Américas para atualizar análises do campo feminista popular na região. O evento, que aconteceu em Santiago do Chile, homenageou a liderança Nalu Faria, militante incansável que dedicou sua vida à consolidação do feminismo internacionalista. Recentemente a SOF Sempreviva Organização Feminista colocou no ar uma página virtual de homenagem à vida e luta de Nalu, reunindo materiais que mostram a dedicação política e a trajetória de Nalu, que completaria 66 anos no último dia 1 de dezembro.

Dentre os objetivos e desafios do encontro, estava a tarefa de refletir sobre os problemas comuns dos territórios e sobre o enfrentamento às violências do neoliberalismo por meio de experiências e estratégias concretas do feminismo popular. Ao longo das discussões, as militantes destacaram que o crescimento do conservadorismo tem reforçado a opressão do capitalismo patriarcal, racista e colonialista em toda a região, ao passo que o fundamentalismo religioso segue impulsionando os setores antidireitos em sua ofensiva contra as mulheres.

Em paralelo, a ação das transnacionais, vinculadas ao extrativismo histórico nas Américas, segue sendo um fator de mobilização das mulheres – estejam elas nos campos, florestas ou nas cidades. Em todo o continente, as mulheres seguem como linha de frente nas lutas em defesa da vida e da biodiversidade nos territórios.

Para a MMM, o cenário neoliberal de aliança entre Estados e transnacionais está intimamente ligado com o a precarização da vida, agravando problemas sociais presentes nas Américas, como a fome, o endividamento e os conflitos territoriais. Soma-se a isso a crescente radicalização das questões migratórias, que ganha cada vez mais terreno na arena política, intensificando a discriminação e a xenofobia entre os povos.

Por isso, é urgente integrar as ações de resistência formuladas em cada território. Para dar conta deste desafio, a MMM busca construir, através de seu calendário de lutas, uma agenda de propostas políticas feministas para a transformação do mundo. Além disso, o movimento enxerga como fundamental a aposta em processos de aliança internacionalista.

É neste contexto que o movimento se prepara para a realização de sua 6ª Ação Internacional, em 2025.

Contra as guerras e o capitalismo, por soberanias populares e pelo Bem Viver

Considerando que os problemas do Norte e do Sul globais estão profundamente conectados, a MMM realiza, a cada cinco anos, uma Ação Internacional. O objetivo, para além de construir processos de sínteses políticas do movimento, é apresentar ao mundo uma agenda feminista de ação permanente.

Sob o lema “Marchamos contra as guerras e o capital, por soberanias populares e pelo bem viver”, a 6ª Ação Internacional da MMM apresentará um calendário de lutas distribuído ao longo de todo o ano de 2025. O marco inicial da Ação será em 18 de fevereiro, Dia da Mulher Saarauí, em uma abertura pautada pela solidariedade e pela resistência anticolonial, pois o território vive sob ocupação do Marrocos.

Logo depois, no dia 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, os grandes atos feministas ocuparão, como de costume, as ruas de inúmeras cidades, abrindo o calendário feminista em todo o mundo.

De maio a julho, a MMM Américas estará mobilizada para a construção de espaços de formulação coletiva que culminarão em um próximo Encontro Regional das Américas, a ser realizado no marco do Dia da Mulher Negra, Latino Americana e Caribenha, 25 de julho.

Junto com os debates regionais, a Marcha Mundial das Mulheres das Américas reforça a denúncia e solidariedade feminista internacional à Palestina, tema que também será central no contexto da 6ª Ação. A denúncia sobre o genocídio do povo palestino e o cenário de extrema violência imposto às mulheres e crianças em Gaza colocam em evidência a necessidade de se pautar o cessar fogo, já!

Além de ser parte da etapa regional da 6ª Ação, o próximo Encontro da MMM Américas pretende seguir fortalecendo a agenda feminista no continente. O encerramento da 6ª Ação Internacional acontecerá em setembro de 2025, no Nepal. Para fechar o ano, 24 horas de solidariedade feminista da MMM serão realizadas em dia 17 de outubro, Dia Internacional da Erradicação da Pobreza. As 24h de solidariedade feminista internacional são ações coordenadas pelas marchantes organizadas nas 5 regiões do mundo, sempre entre 12h e 13h, iniciando no fuso horário da região Ásia- Oceania, passando por Europa, Oriente Médio e Norte da África, África até chegar nas Américas.

Saiba mais sobre as Ações Internacionais da Marcha Mundial das Mulheres

Ao longo de 25 anos de movimento foram realizadas cinco Ações Internacionais. A origem desse processo está diretamente relacionada com a própria origem do movimento. Em 1995, mais de 800 mulheres marcharam nas ruas do Quebec, Canadá, com a reivindicação de melhores condições de vida para as mulheres. A manifestação ficou conhecida como marcha “Pão e Rosas”. A ação obteve alguns avanços para as mulheres de lá, como apoio para a economia solidária, garantia de direitos para mulheres que migram e aumento do salário mínimo.

As mulheres do Quebec então passaram a contatar organizações de outros países para um chamado de uma campanha global das mulheres. Aqui no Brasil, essa primeira aproximação se deu com as mulheres da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que discutiram a proposta e debateram as representantes para o que se tornava o primeiro encontro internacional da Marcha Mundial das Mulheres, em 1998, com a presença de mulheres de 65 países. Desse encontro, foi elaborada uma plataforma com 17 reivindicações para a eliminação da pobreza e da violência contra as mulheres. E ali foi convocada a Marcha Mundial das Mulheres como uma grande campanha a ser desenvolvida ao longo do ano 2000.

Em 2000, com o chamado do Quebec, o tema da 1ª Ação Internacional foi “2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista!”. O Brasil teve como marco a realização da 1ª Marcha das Margaridas, proposta pelas mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), durante o período da ação internacional.

O contexto era de avanço do pensamento neoliberal e suas políticas, e o que seria uma campanha global, passou a se reconfigurar como um movimento internacional, a MMM. Surge daí a organização a cada cinco anos de uma Ação Internacional, que, a partir de uma agenda comum, conecta as lutas de mulheres em âmbito local, nacional e internacional.

Assim as ações passaram a ser planejadas e organizadas nos espaços de encontros internacionais. Em 2005 o tema foi “Mulheres em movimento mudam o mundo!” com a elaboração de uma Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade após um amplo debate e construção coletiva de uma posição comum entre mulheres de diversas culturas políticas, baseado em cinco valores: liberdade, igualdade, solidariedade, justiça e paz.

Em 2010, a 3ª Ação Internacional trouxe o tema que até hoje está na boca das militantes “Seguiremos em Marcha até que todas sejamos livres!”. No Brasil, a grande atividade da Ação foi uma marcha de três mil mulheres entre as cidades de Campinas e São Paulo. O ato de encerramento da Ação em Bukavu, na República Democrática do Congo, foi uma grande experiência da diplomacia popular e da solidariedade internacional.

A 4ª Ação Internacional, realizada em 2015, teve uma dimensão importante para construção de agendas descentralizadas em vários territórios do Brasil a partir de diferentes eixos de luta. No filme documentário Formigueiro – Revolução cotidiana das Mulheres é possível assistir e ouvir as mulheres em defesa dos seus corpos-territórios.

A última ação, em 2020, trouxe outro lema “Resistimos para viver, marchamos para transformar” e aconteceu no contexto da pandemia da covid-19. As atividades aconteceram de modo virtual, o que possibilitou a conexão com mulheres da MMM de outros países simultaneamente. A ação de encerramento envolveu todos os países nos quais a MMM está organizada em uma transmissão ao vivo em que as mulheres falaram sobre as resistências feministas em seus territórios, marcadas pelo enfrentamento ao capital e pela luta em defesa da vida.

Para a Ação de 2025, a expectativa, como afirmou Norma Cacho, representante das Américas no Comitê Internacional da MMM, é de seguir confrontando e respondendo “às políticas neoliberais que prejudicam os povos e as mulheres” e dessa forma “continuar fortalecendo nossa potência feminista popular”.

*Ingrid Figueiredo é jornalista, advogada e militante da MMM no Rio Grande do Norte.

**Natália Blanco é jornalista, militante da MMM São Paulo e integra a equipe da SOF.