Por Sonia Coelho, publicado originalmente no Brasil de Fato* 

É fato que o ano de 2025 começa de forma assustadora. A eleição de Trump nos Estados Unidos, que não foi surpresa, traz à tona a realidade de fortalecimento da extrema direita no mundo. As canetadas nos primeiros dias de gestão já demonstram o papel autoritário desse governo e seu alinhamento imperialista, sem nenhum constrangimento.

Novamente, as populações que vivem as desigualdades sociais são o alvo de suas maldades, que incluem punir e retirar financiamento de ações com perspectiva de gênero, desumanizar e criminalizar imigrantes e ameaçar a apropriação de territórios alheios.

Nossa maior preocupação é com o território palestino, pela situação de vulnerabilidade desse povo que resiste a um genocídio em que as maiores vítimas são as mulheres e crianças. Agora, Trump e Netanyahu ameaçam retirar o povo palestino do pouco que sobrou de seu território desde o primeiro ataque israelense, em 1948.

Essa situação colocou o mundo em alerta, mas a resposta dada é igualmente dura de engolir – na Europa, mais militarização e recursos para armamento, menos recursos para ações humanitárias. Isso se dá num momento em que o mundo todo sofre com as emergências climáticas, a fome e a pobreza, e a própria Europa também vive o crescimento da extrema direita.

Desafios no Brasil 

Neste lado do mundo chamado Brasil, a coisa também não está muito fácil. Três anos de um governo eleito pelo povo. O governo Lula teve as mulheres e a população negra e pobre como os principais eleitores, mas ainda não conseguiu colher todos os frutos desejados e necessários para o tão sonhado bem viver.

Lula está acuado por um Congresso Nacional de maioria de extrema direita, que soube aproveitar o governo Bolsonaro para legislar a favor de seus interesses.  Cria-se, assim, essa inusitada situação em que o Congresso, através das emendas parlamentares, sequestra a maioria dos recursos públicos e aplica-os para interesses próprios e eleitoreiros.

Ao mesmo tempo, pressiona o governo, fazendo coro com o mercado e os grandes meios de comunicação, para aplicar uma política de austeridade e cortes nos recursos públicos. Isso sem contar as mazelas do Banco Central, com sua pseudo independência que afunda o país nos juros altos. Há no Congresso uma permanente ação para impor o programa neoliberal, apoiado pelas elites detentoras do capital financeiro.

Em que pese tudo isso, o governo Lula já foi capaz de tirar o povo da miséria e da fome. O país está com uma situação de emprego melhor, embora grande parte do trabalho criado seja informal. A inflação está controlada e há alguns programas inovadores, como o Pé de Meia. Ainda assim, o governo deve buscar caminhos para dialogar melhor com a população e permitir uma participação popular mais profunda em suas decisões. A percepção da população, especialmente das mulheres, é que a vida está muito cara, principalmente nas grandes cidades.

Não é o caos que a extrema direita propagandeia, pois já estivemos muito  pior nos períodos de Temer e Bolsonaro. Ainda assim, as condições de  vida estão longe de serem as mais propícias. Por isso, seguimos lutando.

Nos últimos períodos, as pesquisas do IBGE têm revelado o aumento significativo de mulheres chefes de famílias, que chegam a 49% dos domicílios, sendo a maioria de mulheres negras. Isso poderia ser motivo de comemoração, porque poderíamos dizer que as mulheres estão alcançando autonomia econômica. Mas a vida, para ser vivida com autonomia e dignidade, exige mais do que um emprego informal e sem direitos. É preciso que a sociedade esteja estruturada para compartilhar os trabalhos de reprodução da vida, e que o trabalho doméstico e de cuidados não seja um ônus e responsabilidade exclusiva das mulheres.

As mulheres são empurradas para o chamado “empreendedorismo”, forma de mascarar o trabalho informal, porque o mercado não lhes oferece empregos com direitos. Além disso, as mulheres, principalmente as mulheres negras, precisam conciliar as responsabilidades da reprodução da vida e do trabalho remunerado. A falta de políticas públicas para apoiar o trabalho doméstico e de cuidados, como creches, centros de cuidados para idosos, um SUS mais eficiente no cuidado com pessoas doentes, com deficiência e transtornos mentais, corrobora o acúmulo de tarefas que as mulheres têm que enfrentar no dia-a-dia.

Aliado a isso, permanece a desigualdade salarial entre homens e mulheres, que ainda é de 21% segundo o Dieese. No caso das mulheres negras, essa diferença se intensifica. Essa vida de discriminação patriarcal e racista tem uma base material que coloca as mulheres em situação de desigualdade e maior pobreza gera nas mulheres pobres a sensação de estarem frequentemente esgotadas e sem perspectivas melhores.

Temos um plano?

A Lei 15.069/2024 que institui a Política Nacional de Cuidados, que define cuidados como “o trabalho necessário a reprodução da vida humana, da força de trabalho, da sociedade e da economia e a garantia do bem estar de todas as pessoas”, foi aprovada na Câmara e no Senado em dezembro do ano passado e sancionada em 23 de dezembro de 2024 pelo presidente Lula.  

A lei prevê planos estaduais e municipais de cuidados. Para esses planos saírem do papel e se concretizarem na vida das mulheres, crianças e pessoas idosas, será toda uma luta em um contexto de privatizações e cortes de verbas públicas. Esta política prevê a ampliação de todos os serviços públicos, como creches, ensino infantil e fundamental integral, políticas para pessoas idosas e para cuidar de quem cuida. Prevê a criação de novas políticas que vão no sentido de romper com a divisão sexual e racial do trabalho. O nosso plano certamente será lutar!

As lutas continuam

Em 2024, muita resistência foi travada pelo movimento feminista. Dentre tantas lutas que pautamos,  a luta contra a fome e a pobreza, por soberania alimentar e agroecologia: como nossas companheiras da Marcha Mundial das Mulheres no Rio Grande do Sul na atuação com as cozinhas comunitárias, fundamental para o enfrentamento à tragédia climática com as fortes chuvas. Uma luta nada fácil em um país onde o agronegócio se impõem o tempo inteiro por meio de seus muitos lobbys e privilégios, introjetando cada vez mais veneno em nossas  hortas, plantações e consequentemente, em nossas vidas.   

Estivemos juntas na rua contra a escala 6×1, que rouba tempo das mulheres para cuidar de si e ter tempo para uma qualidade de vida melhor. Não retroceder direitos tem sido um enfrentamento constante nas disputas políticas ideológicas, como por exemplo o debate dos direitos sexuais e reprodutivos, muito protagonizada pela Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e a Legalização do aborto.

Disputamos e lutamos contra o PL1904, proposta na Câmara que impunha uma punição maior às vítimas de estupradores às  mulheres,  crianças e pessoas que gestam.Mas as ruas e redes falaram mais alto com o “Fora Lira” e a Consigna “Criança não é mãe! Estuprador não é pai!” Apesar desta vitória em âmbito nacional,  fazendo o Congresso retroceder, há uma articulação de prefeituras e Estados governados pela extrema direita que estão, na prática, perseguindo e impedindo o acesso ao direito ao aborto legal. Há, inclusive, várias denúncias de serviços públicos em São Paulo e Goiás, que estão impondo tortura às pessoas que recorrem a este direito, como por exemplo, obrigar a ouvir batimentos cardíacos do feto, entre outras formas de constrangimento.

Os movimentos da extrema direita no Congresso se articulam incessantemente para defender seu projeto fascista, racista e ultra neoliberal como se fossem um polvo: com seus muitos tentáculos igualmente importantes, eles  atacam a economia, os serviços públicos e na mesma proporção atacam direitos das mulheres, povos indígenas, populações , LGBTQIA+negra e periférica e comunidades tradicionais.

Em terras de Elizabete Teixeira, referência e liderança das Ligas Camponesas que recentemente celebrou seus 100 anos e até hoje na luta, não vamos esmorecer! Os movimentos feministas preparam um 8 de março de luta, de norte a sul com o mote nacional “Mulheres em defesa da democracia, por trabalho digno,  legalização do aborto, reparação e Bem Viver! Contra o fascismo e o racismo!”

A Marcha Mundial das Mulheres lança sua 6 ação internacional, mobilizando mulheres em torno de mais de 40 países do mundo em um ano inteiro de atividades, iniciando no último dia 18 de fevereiro,  Dia Internacional das Mulheres Saarauís, oportunidade em que foi entregue ao governo brasileiro um pedido de reconhecimento da República Árabe Saarauí Democrática – RASD. Ecoando o lema desta ação: Marchamos contra as guerras e o capitalismo, defendemos a soberania dos povos e o bem viver!

Também as organizações de mulheres negras estão na mobilização e construção da 2ª Marcha das Mulheres Negras: “Por reparação e Bem Viver”. E a importante unidade das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo sendo uma realidade da qual a MMM é parte,  mobilizando o Brasil em torno do Plebiscito Popular: Por taxação das grandes fortunas e o fim da escala 6×1 com pela redução da jornada de trabalho.  

Em 2025 as mulheres seguem “Em Marcha”! Vida longa a Elizabete Teixeira! Que ela continue nos inspirando  para lutar, sem desanimar diante das  adversidades da conjuntura.

*Sonia Coelho é assistente social e integrante da equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista.

Edição: Nicolau Soares