Ignorada pelas grandes mídias, freqüentemente caricaturada, mal conhecida pelos e pelas jovens militantes ou pesquisadoras/es, a corrente “feminista e classista” foi, no entanto, uma das mais ativas dentro do movimento feminista contemporâneo. Não é inútil rever sua colaboração para o movimento feminista na França. Entretanto, não se trata aqui de uma história exaustiva desta corrente, mas de reconstituir o contexto no qual ela emergiu, as questões que ela tem levantado e de lembrar os pontos fortes de suas atividades depois de mais 30 anos.
Definições
Por corrente feminista e classista entendo uma corrente que liga estreitamente a luta pela emancipação das mulheres àquela de todos os oprimidos. Poderíamos encontrar algumas de suas precursoras entre as primeiras feministas, como Olympes de Gouges que, no fim do século XVIII uniu o início da luta contra a opressão das mulheres à luta contra a escravidão. Mais precisamente, Flora Tristan (1803 – 1843) foi a primeira a defender a necessidade de organizar os proletários em nivel internacional, levando em conta a opressão das mulheres: “O homem mais oprimido pode oprimir um ser que é sua mulher. Ela é proletário do proletário mesmo”.
As militantes socialistas de segunda e depois da terceira internacional se inscrevem igualmente nessa tradição tanto quanto o “organização mulheres livres” na guerra civil espanhola (Maheim, Holt, Heinen, 1979). Podemos encontrar, em parte, esta tradição entre as mulheres sindicalistas que criaram a CFDT em 1964 assim como entre as militantes do d’Antoinette dentro da CGT. Entretanto existem grandes diferenças entre estas militantes e aquelas de 1968.
Em primeiro lugar, as diferenças no plano teórico: ao contrário das militantes da antiga geração as feministas classistas contemporâneas não consideram que a opressão patriarcal decorre a partir da propriedade privada e, mais precisamente, do capitalismo. A opressão das mulheres pré-existe a essa organização social mesmo que o capitalismo a utilize e continue utilizando a opressão das mulheres em seu proveito.
Ao contrário das mulheres socialistas das gerações precedentes, elas não subordinam a luta feminista à luta socialista. Nesse sentido, o movimento autônomo das mulheres não é concebido por elas como instrumento do partido, mas como instrumento de mobilização das mulheres contra sua própria opressão, o que implica em principio um movimento feminista amplo, grande, unitário dentro dos quais diferentes tendências feministas poderiam estar lado a lado.
1970 – 1980 – uma fase de expansão e de grandes conquistas
A segunda onda do feminismo na França nasceu em 1970, na onda do grande movimento social de maio de 1968. Antes de 1968 o movimento feminista era ao mesmo tempo muito fraco e desacreditado por organizações do movimento operário e pelo Partido Comunista Francês, em particular. O planejamento familiar, que ainda não se dizia feminista, nascido em 1956, era a única organização pouco conhecida que permitiu fazer avançar a luta em favor da contracepção. Até 1975 o Partido Comunista Francês com a Confederação Geral do Trabalho (CGT) sobre sua influência considerava o feminismo como pequeno burguês ou como uma força impulsionada pela direita para dividir o movimento operário o que explica por outro lado o sectarismo de uma parte do movimento feminista em relação ao movimento operário e às organizações políticas em geral.
O novo movimento feminista nasceu em primeiro lugar nas camadas sociais mais escolarizadas das mulheres. As mulheres dos meios populares estavam muito mais sob a influenciada do PCF ou do catolicismo. Fraçoise Picq (1993) descreveu muito bem o clima que marcou esses 10 primeiros anos de renovação do movimento feminista: riqueza, entusiamos, humor, ativismo, tensão. Ela precisa muito bem que, no início, inúmeras feministas não reclamavam necessariamente ser de uma corrente em particular, e poderia haver uma porosidade entre os múltiplos grupos mais ou menos informais. Naquela época, todas as correntes do feminismo compartilhavam uma mesma perspectiva, a de uma mudança radical de sociedade considerada muito próxima, mas para além dessa esperança certas análises as separavam. E para clareza do meu propósito destacarei três diferentes correntes principais, apresentadas aqui muito sucintamente.
Para as diferencialistas é necessário valorizar a feminilidade como necessidade especifica cuja as raízes deveriam ser buscadas em sua função procriadora. Essa corrente animada por Antoinette Fouque e continuada pelas “Des Femmes” (Mulheres) teve um impacto entre as artistas, as escritoras e etc. Em 1979 essa corrente se apropria ilegitimamente da sigla MLF (Movimento de Libertação das Mulheres) e a registra como uma marca comercial.
Para o feminismo radical o trabalho doméstico é a base material da exploração econômica de todas as mulheres qualquer que seja for sua classe social. As mulheres constituem uma classe explorada pelos homens, a opressão patriarcal beneficia economicamente e diretamente a todos os homens da mesma maneira, em função dessa análise toda aliança com movimentos mistos é julgada inoportuna ou mesmo perigosa. Para essa corrente a retórica da diferença é um simples avatar da ideologia dominante, é necessário então combatê-la sem descanso. As Revistas “Questions féministes” e depois “Nouvelles questions féministes” levaram essas diferentes análises ao longo dos anos. Essa corrente desempenha um grande papel na configuração teórica do feminismo principalmente na França. Para esse movimento (Delphy 1970) não era mais o capitalismo, mas o patriarcado, a luta principal; não é mais a luta de classes tradicional, mas a luta feminista e etc.
Para o feminismo classista o discurso da diferença não era somente o produto de uma ideologia dominante. Ele é igualmente a expressão de uma primeira reação dos oprimidos à consideração de que nos reencontramos em todos os movimentos sociais nascidos de uma opressão. É necessário então barrar a ideologia das diferenças que naturaliza a relação social sem cair, no entanto, no sectarismo exagerado em relação às mulheres sensíveis a esse tipo de retórica. Para as feministas classistas, todas as mulheres são oprimidas, mas não da mesma maneira. A exploração de classe tradicional interfere na opressão patriarcal. Para as feministas desta corrente é necessário combinar a ação autônoma e com a ação unitária com outros movimentos sociais, principalmente o movimento operário para fazer avançar a libertação das mulheres.
Essa orientação encontrará um eco não negligenciável entre as assalariadas dos bancos, dos correios, da saúde ou entre setores privados, levando o desenvolvimento de grupos de mulheres empresárias e de comissões de mulheres sindicalistas, que incentivaram numerosos debates dentro do movimento sindical até o fim da década de 70.
Os principais temas de luta
Apesar de surgir diferentes correntes feministas, em sua grande maioria e para além da sua posição, centenas de milhares de mulheres lutaram juntas para obterem as primeiras liberdades: o direito do aborto e a contracepção. A liberdade para que as mulheres possam dispor de seus corpos: liberdade sexual e de orientação sexual. Elas denunciaram juntas as violências contra as mulheres, a violação e as violências conjugais, principalmente. Elas analisaram e criticaram a divisão tradicional do trabalho, na esfera doméstica e no mundo profissional assim como a educação sexista. Elas afirmaram que o privado é político e assim romperam com o isolamento das mulheres provocado pela opressão patriarcal. Todas, enfim, estavam convencidas da necessidade de resistir a essa opressão e ir avante e tecer as ligações de solidariedade entre as mulheres dentro de um movimento autônomo.
Um movimento autônomo diversificado
Mas como tecer essas ligações? Para algumas, as iniciativas espetaculares ou simbólicas ou assembléias gerais poderiam ser suficientes para atrair novas mulheres para a luta feminista. É necessário reconhecer que o depósito de um ramo de flores a mulher do soldado por um punhado de feministas em agosto de 1970 ou assinatura em abril 1971, por 343 mulheres famosas de um manifesto onde elas declaravam, muito corajosamente, ter abortado, encontraram um eco excepcional nas mídias e no conjunto da opinião pública. Para outras militantes feministas era necessário ultrapassar as grandes assembléias gerais para enraizar o movimento nos bairros principalmente nos bairros populares. Entre elas o pequeno grupo de militantes de círculo “Elisabeth Dimitrief”, membras da Aliança Marxista Revolucionária. No seu manifesto “Sortir de l’ombre” (Surgir na sombra) publicado em 1972, elas lançavam as bases de uma análise de articulação e a luta de classes. Elas resumiram sua orientação por um slogan que foi recolado por outras militantes feministas de extrema-esquerda “não há socialismo sem a libertação das mulheres e não há libertação das mulheres sem socialismo” e preconizaram uma militância dentro dos bairros. Essa orientação foi compartilhada com as mulheres sem ligação política, mas igualmente pelas militantes políticas da extrema esquerda, notamente pelas da Revolução (pequeno grupo dissidente da Liga Comunista) ou pelas militantes da Liga Comunista Revolucionária. Foram citados aqui pelo menos três nomes de organizações de esquerda influentes. Não por acaso, essas organizações tiveram um papel muito importante no lançamento dessa tendência classista no movimento de libertação das mulheres, participando em grupos de mulheres nos bairros parisienses que tiveram uma iniciativa de uma Encontro nacional dos grupos de mulheres, Bièvers em junho de 1974, colaborando na revista “Lês Pétroleuses” cujo primeiro número foi publicado no mesmo ano. Algumas feministas interpretaram esse investimento das militantes políticas dentro da MLF como uma expressão de um controle intolerável, se é verdade que ao longo desses anos aconteceram lutas de poder entre as diferentes correntes dentro do movimento que foram por vezes penosas aos olhos das feministas sem vinculação política, não podemos nos contentar ou aceitar com a visão enviesada dessas feministas dentro do Movimento de Libertação das Mulheres (MLF). Essas militantes políticas participaram do movimento feminista sob uma base de uma única convicção feminista profunda que elas defenderam no seio de suas respectivas organizações a custa de esforços e conflitos constantes com outros militantes e outras militantes. Foi esse o caso das militantes feministas da LCR. Depois de debates acalorados, a LCR deu seu apoio ao movimento feminista autônomo em 1971-1972. As feministas da LCR (Liga Comunista Revolucionária) estiveram em todos os combates. Elas participaram também da criação de um movimento unitário como o Movimento pela Liberdade do Aborto e pela Contracepção (MLAC), em 1973.
Esse movimento misto e unitário, presidido pela advogada feminista Monique Antonique, impulsiona centenas de comitês em alguns meses, em toda a França e também nas periferias populares. Durante dois anos, o MLAC organizou uma pressão permanente frente ao governo para obrigá-lo a mudar a legislação restritiva sobre o aborto. Durante dois anos, as manifestações massivas sucederam aos escândalos, pela prática totalmente ilegal do método pela aspiração. Durante dois anos esse movimento realiza viagens para permitir que todas as mulheres pudessem abortar, fazendo com que esses casos fossem publicados pelas mídias. Mas, principalmente, milhares de militantes, na sua maioria mulheres, estavam convencidas da urgência de por um fim aos abortos clandestinos pela obtenção de um novo direito fundamental pelas mulheres: aborto livre e direito a uma contracepção. Esse tipo de movimento conquistou o direitos ao aborto em 1974 e tinha dentro de suas iniciativas militantes do PCF e do CGT. Apesar de ter apoio às suas consígnia não teriam visto seu dia de vitória se o conjunto das feministas tivessem se prendido a visão sectária de algumas que reduziu o movimento feminista aos grupos não mistos.
Para as feministas classistas, um movimento autônomo significa autonomia em relação ao Estado, às instituições religiosas e aos aparelhos dos partidos, mas não em relação à luta de classes. Isso queria dizer igualmente que as mulheres dirigiam suas lutas e seus movimentos e que não haveria outras prioridades que se não a defesa dos direitos das mulheres. Os movimentos mistos dirigidos pelas mulheres feministas poderiam muito bem fazer parte do movimento feminista. Essa concepção se opunha às concepções sectarias bastante difundidas dentro do movimento feminista. Antes das eleições de 1979, data em que o conjunto das forças políticas tanto de esquerda quanto de direita se interessam vivamente pelo eleitorado feminino, as diferentes correntes feministas se muniram de uma publicação. Em 1977, as feministas da LCR criaram a sua própria revista “Os cadernos do feminismo” que, na França, neste período foi a única revista publicada durante 20 anos – de 1977 a 1998 – por uma organização política. Foram necessários mais de 2 anos para que essa revista fosse aceita pela direção da organização como uma revista da Liga e não como um passatempo de algumas militantes. Lançando essa revista, as militantes feministas tinham muitos objetivos: difundir o feminismo no seio da LCR e no conjunto do movimento operário, principalmente dentro dos sindicatos, aprofundar o debate teórico e político com o conjunto das correntes do movimento feminista. Era uma revista muito viva, onde se encontravam desde reportagens sobre as lutas à criticas de livros. Era escrita com uma linguagem muito simples, compreensível para um publico não iniciado. Ela teve um eco muito maior do que as publicações da LCR. A equipe que estava na origem dessa revista não se renovou ao longo dos anos para sua publicação exatamente por não ter encontrado uma substituição suficiente entre a nova geração da LCR, ao final desse primeiro período, o movimento feminista mexeu profundamente na vida política. Ele fez conhecer novos direitos para as mulheres, novas leis sobre o direito ao aborto, à contracepção e contra a violência, mas, por falta de um consenso entre as relações entre lutas feministas e lutas de classe ou necessidade de dar estrutura a esse vasto movimento, esse último resta um movimento informal no qual se exprime com múltiplos componentes que terão muitas dificuldades de atravessar os anos de refluxo que se seguirão.
1981 – 1995: o movimento feminista na defensiva
Em 1981, a chegada da esquerda ao govemo se traduzia na criação do Ministério dos Direitos da Mulher dirigido por Yvette Roudy e pela promulgação de muitas leis em favor da igualdade entre homens e mulheres. Em 1982, sob a pressão de movimento feminista uma lei permitiu o reembolso do aborto e, em 1983, uma lei sobre igualdade profissional foi votada. Por falta de sanções pelas empresas a lei foi muito pouco aplicada. O feminismo obteve assim certa legitimação, mas ao mesmo tempo, a ilusão sustentada por um governo de esquerda assimilado como um poder amigo tornou mais difícil a afirmação de uma orientação crítica no seio do movimento feminista. É nessa tarefa que se aplicaram as feministas classistas.
A ofensiva neoliberal
A política do Ministério dos Direitos da Mulher poderia ser considerada como uma “vitrine”: ela, na verdade, mascarava ,a política econômica e social do governo que favoreceria abertamente o tempo parcial e decidiria pela criação de um auxilio familiar pelo terceiro filho equivalente ao um salário mínimo, em 1985. A medida foi estendida pela direita em seguida, em 1994, para o segundo filho. E depois para o primeiro filho. Para reduzir o desemprego as mulheres menos qualificadas e commenores salários, foram incentivadas a se retirar do mercado de trabalho para educar seus filhos dentro de para casa durante três anos. Paralelamente, o cuidado individual das crianças com menos de três anos foi encorajado em detrimento das creches coletivas. Assim, em 1994, a direita majoritária cria o Auxilio de Guarda de Crianças em Domicílio (AGED), que permitiu uma redução de impostos bastante significativa para as camadas sociais privilegiadas. A esquerda que volta ao governo depois propõe um limite a esse auxilio, mas sem excluí-lo.
Dentro dos sindicatos as oposições de esquerda foram reprimidas tanto CFDT quanto na CGT. Na CGT a caça às bruxas encontrará prolongamentos até dentro do setor feminino. Um dos exemplos mais dramáticos foi o de Georgette Vacher Rhône dentro da União do Departamento de Ronda. Essa militante feminista desenvolveu dentro de um espírito unitário um trabalho notável de com as mulheres trabalhadoras, de acordo com as recomendações da 6ª Conferência Nacional das Trabalhadoras organizada em maio de 1977 pela CGT, fortemente abalado pelos ventos do feminismo. Mas ela foi chamada à ordem de maneira burocrática e desesperada se suicidou no outono de 1981. As redatoras de Antoinette haviam se oposto à política sectária da confederação contra a CFDT se recusou a aceitar a mão de força do general Jaruzelsky. Elas também foram simplesmente licenciadas em 1982. Elas foram acusadas de terem constituído “um estado dentro do Estado” com o setor feminino da CGT. As militantes feministas classista levaram o seu apoio as licenciadas e criaram com elas o Grupo Flora Tristán, dentro do qual se encontravam com as pesquisadoras. A associação lança um apelo para denunciar as ameaças que pesava aos direitos das mulheres ao emprego. Essa é a mesma preocupação que motivou as feministas militantes classistas a organizar “os Estados Gerais sobre o trabalho das mulheres e as mulheres ao trabalho”, em abril de 1982.
As lutas
Diante da austeridade imposta pelo governo e da apatia das direções sindicais em suas diversas divisões, funcionários de ambos os sexos entraram em luta e organizaram-se em “coordenações”: Depois dos estudantes, em 1986, foi a vez dos ferroviários em 1988. Fato totalmente novo, muitas greves prolongadas de mulheres trabalhadoras do terceiro setor se desenvolveram entre 1989 e 1993 (enfermeiras, professoras primárias, assistentes sociais) foram organizadas em nível nacional, dentro das coordenações nas quais as mulheres em alguns setores assumiram as direções de suas lutas principalmente as enfermeiras e as assistentes sociais. Esses movimentos ficaram, apesar de tudo, muito isolados. Nos setores onde as mulheres são esperadas para trabalhar por sua “natureza e dedicação” elas reivindicavam aumento de salário e reconhecimentos de suas qualificações profissionais. Os opositores e as opositoras dentro dos sindicatos, as feministas classistas e as pesquisadoras do grupo de estudo sobre a divisão social e sexual do trabalho, entre elas Danièle Kergoat, popularizaram essas lutas. Depois dessas grandes greves no curso nas quais as direções sindicais das confederações remarcaram sua hostilidade aberta na pior das hipóteses (foi o caso da CFDT especialmente). Nascia uma nova federação: SUD-PTT. Essa organização sindical criada em 1989 para responder à exclusão das militantes e dos militantes mais combativos da CFDT, que tinham apoiado todas as coordenações da luta surgidas nos anos anteriores escolheu como secretária uma feminista de longa data, Annick Coupé, que introduziu no seu estatuto o princípio de cotas das mulheres e se definiu em seu programa como uma organização feminista.
O movimento feminista
Diante desta ofensiva contra o direito das mulheres ao emprego e das mídias que deixavam a entender que as mulheres não tinham mais do que se queixar, pois elas já tinha obtido tudo, o movimento feminista se dividiu e, sobre a defensiva, deveria ele se deixar vincular ao Ministério dos Direitos das Mulheres ou guardar sua independência? Certas militantes feministas se deixaram seduzir, as feministas classistas lutaram com toda a força no sentido inverso e desenvolveram a solidariedade com as lutas das mulheres assalariadas, procurando desenvolver novas lutas contra o tempo parcial imposto, por exemplo, ou contra os entrave ao aborto, procurando manter uma unidade nacional e multitemática. Em 1982 elas organizaram uma grande iniciativa unitária, um congresso sobre os “direitos das mulheres no trabalho” que reuniu duas mil feministas, no auditório da Sorbonne, do movimento pelo planejamento familiar, sindicalistas militantes de diversos sindicatos, militantes feministas de diferentes associações para interpelar o governo de esquerda sobre a sua política. Esta iniciativa foi boicotada por algumas feministas, argumentando que esta iniciativa era mista. Depois disso tiveram muitos anos de declínio e fragmentação do movimento feminista em associações especializadas no assunto.
No entanto, confrontado com acontecimentos graves como muitos casos de violência contra mulher nos transportes públicos sem a reação das pessoas e a ofensiva dos comandos de extrema-direita, na entrada dos hospitais ou clínicas para impedir as mulheres de praticarem o aborto, as militantes feministas classistas criaram diferentes associações para relançar a atividade feminista unitária. Citaremos duas: em 1985, houve a criação, com militantes do Planejamento Famíliar, do Coletivo Feminista Contra a Violência. Sua ação, conjuntamente com outras associações como a I’AVFT (Associação contra a Violência contra as Mulheres no Trabalho), conduziu uma série de circulares e leis contra abuso sexual infantil em 1989, contra o assédio sexual em 1992 e contra a violência doméstica. Em 1990, houve a fundação do Cadac (Coordenação de Associações dos Direitos do Aborto e Contracepção) , que reuniu o Planejamento Familiar, a Associação Nacional dos Centros de Ontogenia e etc. Esta associação, graças a seu trabalho de vigilância e mobilização contra os comandos da extrema direita, que em 1993 criou uma lei do aborto induzido e, especialmente, em 2001, uma melhora significativa na lei aborto.
1995 – 2006: Um novo ciclo de lutas, o movimento sindical e outros movimentos e a recomposição social caótica.
Depois de inúmeras manifestações muito dinâmicas contra os comandos da extrema direita e o governo de choque de Chirac, após sua eleição à presidência da República, em março de 1995, dentro da qual a Opus Dei estava diretamente representada, houve o início de um movimento social de grande magnitude. Em 24 de novembro de 1995, 40.000 pessoas marcharam pelas ruas de Paris pelo direito ao emprego das mulheres, contra os ataques de comando da extrema-direita e contra a ordem moral. Isso foi uma iniciativa da Cadac e uma convocatória de mais de 140 organizações (associações, partidos, sindicatos).
Foi a primeira vez desde 1980 que diferentes gerações de mulheres e homens se encontraram assim, massivamente, para defender os direitos das mulheres. Foi igualmente uma manifestação muito unitária. Pela primeira vez o PCF e a CGT convocaram uma manifestação ao lado das associações feministas. Essa manifestação foi o prelúdio do grande movimento social de novembro-dezembro 1995.
Pela primeira vez desde o início de 1980, a grande onda de mobilização dinamiza o conjunto dos movimentos sociais e coloca na ordem do dia novas perspectivas políticas. Em seguida ao ano de 1995, se criam inumeras associações para defender os “sem direito”. O direito contra o desemprego (AC), o direito à moradia (DAL), o ATTAC, que será o símbolo da mobilização antiglobalização e dentro da qual se organizará uma comissão de gênero e mundialização. Nessas associações, cuja estrutura é híbrida e complexa, há cartéis de organizações diversas e também agrupamentos de indivíduos, entre sindicalistas, militantes de ambos os sexos frustrados com esquerda tradicional ou militantes de extrema esquerda, feministas e assim por diante. É neste contexto que se cria o Coletivo Nacional pelos Direitos da Mulher (CNDF). Em 1997, 2.000 pessoas, em sua maioria mulheres, participam do congresso pelos direitos das mulheres e criam o Coletivo Nacional dos Direitos da Mulher (CNDF), na véspera das eleições legislativas que dão uma nova maioria a esquerda plural.
Em novembro de 1997, o CNDF organiza uma manifestação pelo direito ao emprego das mulheres, contra o tempo parcial imposto e pela redução das horas de trabalho para todos e todas, no contexto das leis e sobre a redução da jornada de trabalho para 35 horas. A partir daí é organizada uma campanha contra o tempo parcial imposto, fazendo ligação dessa reivindicação à exigência de uma verdadeira crítica aos subsídios às empresas que contratam a tempo parcial, assim como para além das leis Aubry aitleurs que conduzem para uma agravação dessa flexibilidade.
Este evento, apesar de modesto, foi simbolicamente muito importante. Foi a única demonstração sobre redução da jornada de trabalho para todos e todas! A criação deste novo movimento favorece uma nova atividade feminista dentro dos sindicatos. Na primavera de 1998, aconteceram as primeiras jornadas de formação feminista da FSU SUL, da CGT e Opositoras da CFDT. Desde então, a cada ano, essas jornadas reagrupam centenas de sindicalistas feministas.
O CNDF não é uma organização feminista unificada, é uma federação de várias associações, sindicatos ou organizações políticas unidas em um único objetivo: organizar a luta unificada dos direitos das mulheres. A política representada é muito ampla. O leque político representado é bastante amplo. A CNDF funciona a partir de consensos. Isto significa que tomar decisões é uma tarefa difícil, neste tipo de coletivo. Esta federação tem os mesmos problemas que outras associações, criadas sobre o mesmo modelo, como a ATTAC. Como garantir a igualdade entre as pessoas que representam a si mesmo e as porta-vozes de diversas organizações? Como assegurar consenso entre os ativistas radicais “à esquerda da esquerda” e da esquerda tradicional?
Mas a CNDF encontrou um problema especifico, que foi ter ignorado como conjunto do feminismo classista, do qual a CNDF é globalmente portadora. Ser ignorada pela mídia, outras associações ou personalidades mais midiáticas. Sendo que essas não questionam a ordem social dominante. É necessário constatar mais uma vez que as feministas classistas tiveram um papel importante na animação da CNDF, dentro do ATTAC ou das atividades feministas dos sindicatos. Elas estiveram igualmente presentes na criação do Secretariado Internacional e das iniciativas internacionais da Marcha Mundial das Mulheres contra a violência e a pobreza, como em 2000 ou 2005, anos em que aconteceram numerosas manifestações pelo mundo.
2002 – 2006: antigos e novos obstáculos
Desde o fracasso da esquerda nas eleições presidenciais de 2002, a chegada de Le Pen no primeiro turno da corrida presidencial e a eleição de Jacques Chirac, os ataques da direita continuaram e não cessaram contra os trabalhadores de ambos os sexos. Isso suscitou diversas greves, inclusive contra a reforma das aposentadorias em 2003, que resultou em fracasso. No entanto, em 2004, a esquerda ganha as eleições regionais e européias. Em 2005, após uma campanha de massa bastante unitária, onde as feministas conseguem ocupar lugar de destaque, o fracasso da esquerda contra o Tratado Constitucional Europeu (TCE) ganha espaço, apesar do rolo compressor da mídia. Após a revolta das periferias no Outono de 2005, estudantes e depois o conjunto da juventude se organiza massivamente, em 2006, contra o Contrato de Primeiro Emprego (CPE) e obtém seu abandono. A configuração complexa dos movimentos sociais é cada vez mais atravessada e polarizada, e as mobilizações contra o neoliberalismo conduzem a uma reconstrução e uma alternativa política, e pelos debates que elas suscitam dentro dos partidos. O contexto é marcado pelo desemprego em massa, pelo racismo e a identidade dos movimentos religiosos e reacionários, um clima de guerra justificada em nome de uma suposta luta contra o terrorismo internacional e assim por diante.
As feministas deveriam agir assim dentro de uma moldura particularmente confrontada e elas se encontram assim com novas dificuldades. Primeiro, a ilusão da igualdade está sempre presente entre os jovens escolarizados, antes de entrarem no mercado de trabalho. Apenas as jovens lésbicas e mulheres jovens descendentes de pais imigrantes estão conscientes de que nem tudo está ganho. Além disso, nós assistimos depois de muitos anos a formação de jovens feministas, através de estudos e pesquisas feministas, o que devemos saudar. Mas dentro dos debates mais teóricos, poucas investiam numa prática militante. Mais preocupante, vimos aparecer novas correntes reacionárias campo ideológico nas relações de gênero.
A ideologia da diferença encontrou um novo vigor sob pressão de grupos religiosos e de suas correntes fundamentalistas, mas igualmente de alguns psicanalistas. Em nome da defesa de uma “ordem simbólica” intocável, é a moral patriarcal que é valorizada contra a demanda da igualdade dos casais homossexuais, e contra a idéia de que o feminino e o masculino são construções sociais. Uma segunda corrente é chamada de “pós-feminista” e nasceu entre as mulheres privilegiadas (intelectuais e artistas) confundindo liberdade das mulheres e mercantilização do corpo. Elas exigem o reconhecimento legal da prostituição e sua regulação. Para elas não há mais relação de opressão entre homens e mulheres. Estaríamos dentro de uma sociedade onde estaríamos todos/as nós livres como nós desejamos, independente das relações sociais. Estando, à parte, infelizes as mulheres que vivem nos bairros periféricos ou as imigrantes, ou as que vivem nos países sub-desenvolvidos. Para estas “pós-feministas”, afirmar uma repressão da violência sexual significaria então fazer o jogo da ordem moral. Estas personalidades emprestam numerosos elementos de seus discursos ao “pós feminismo” muito desenvolvido na América do Norte. Uma terceira corrente é muito presente no campo midiático e no topo do governo, se trata de uma corrente feminista burguesa que pretende defender os direitos das mulheres empresárias que se beneficiam de um emprego em valorização e transferem para outras mulheres, trabalhadoras precarizadas e estrangeiras, as tarefas domésticas que elas não podem ou ao querem fazer.
Neste contexto, novas divisões aparecem entre as feministas. Depois da grande manifestação unitária do 8 de março de 2003 para apoiar a ação da associação “Nem putas nem submissas” (NPNS), uma marcha que durou vários meses na França, que teve êxito ao fazer conhecer as discriminações e as violências sofridas pelos jovens nos bairros populares, podia-se esperar uma junção entre a geração feminista vinda de 1968 e a nova geração. Infelizmente, devido aos seus sucessos midiáticos e à ausência de compreensão da importância “da autonomia” de um movimento em prol das mulheres, as militantes desta associação renderam às ofertas do PS (Partido Socialista) e do poder. Este último não cessou de alimentar o racismo em relação aos muçulmanos, através de campanhas de seguranças sucateadas. Desde então, algumas feministas preferiram lutar contra “um inimigo principal”.
Para algumas a luta contra a “islamofobia” é prioritária. É a razão pela qual elas assumem a defesa das meninas que usam o véu na escola e denunciam a lei contra os sinais religiosos nas escolas, votada em 2004 pela maioria e pelo PS. É a razão para o qual elas militam no seio do movimento “Uma escola para todos e todas“. A grade de leitura desta corrente é centrada quase exclusivamente nas discriminações “pós-coloniais”.
O argumento do CNDF insiste na existência deste tipo de violência em todas as nas esferas da sociedade e não somente nos meios populares de origem africana ou norte-africana como algumas leituras fazem crer, após a morte do jovem Sohane Brülée em Outubro de 2002 em uma região parisiense. O projeto de Lei recebeu o apoio de todas as associações que lutam contra as violências, e a oposição das mulheres e dos grupos parlamentares de esquerda e extrema esquerda.
Mas isto não deve dissimular os novos desafios aos quais se encontram confrontadas as feministas classistas. O comportamento de um encontro intitulado “Alternativas feministas”, em dezembro de 2005 por iniciativa do CNDF permitiu acompanhar de perto as questões a resolver num futuro próximo: como assegurar a renovação das gerações? Como fazer a relação com as jovens mulheres nos bairros populares? Como lutar contra “o virilismo” exacerbado de certos rapazes dos subúrbios em situação de fracasso sob numerosos terrenos, sem cair no discurso da segurança? Como ter acesso aos meios de comunicação sociais abertos “às pós-feministas” e que têm como primeiro alvo as militantes feministas consideradas “demodês”? Como favorecer o trabalho conjunto da CNDF e da Marcha Mundial das Mulheres na França, como redinamizar o conjunto do movimento feminista, sobre uma base unitária?