*Por Sonia Coelho
Está em curso no Congresso Brasileiro uma reforma da previdência social. Trata-se de uma grande mentira dos golpistas. Eles argumentam, através da mídia também golpista, que a previdência brasileira é deficitária e que, caso não seja aprovada a reforma, no futuro não haverá recursos para pagar as e os aposentados e as gerações futuras. Os dados, no entanto, mostram o contrário: segundo a ANFIP, a seguridade social, em 2014, foi superavitária em 53,9 bilhões.
No Brasil, desde a Constituição de 1988, a previdência é parte da seguridade social, junto com a assistência social e a saúde. Os recursos para a seguridade vêm do recolhimento da folha de pagamento das e dos trabalhadores, das empresas e também de outras fontes, como os recursos das loterias, do PIS/PASEP e de outros impostos do Governo Federal.
A verdade que eles não dizem é que muitas empresas sonegam impostos; que o agronegócio não paga imposto sobre suas exportações; que o governo isenta de impostos as grandes empresas; e que o governo desvia os recursos da seguridade para pagar a dívida pública, ação que não beneficia a população, mas sim os grandes bancos. Alguém precisa pagar a conta, e o governo golpista escolheu a classe trabalhadora para pagar a conta que os ricos não pagam.
“Diga-me com quem andas e te direi quem és”
Este ditado popular nos dá uma dica sobre quem está comandando a Reforma da Previdência (PEC 287) e a PEC 55, esta aprovada na Câmara e Senado para congelar os gastos com saúde, educação e assistência social por 20 anos. Mendonça Filho, o Ministro da Educação, é ligado a grandes empresas do ensino privado. Elon Gomes, o Ministro da Saúde, teve campanha financiada por empresas de convênio médico, com as quais possui relação. Marcelo Caetano, o secretário da Previdência, teve sua agenda toda tomada por compromissos com empresários da previdência privada e fundos de pensões de bancos, justamente nestes meses em que esteve elaborando a reforma. Nitidamente, esta reforma tem como objetivo beneficiar a iniciativa privada e ferrar a classe trabalhadora.
Mulheres, população negra e população rural serão as mais prejudicadas
A Previdência social é fundamental para combater a pobreza e as desigualdades entre homens e mulheres, principalmente no caso das mulheres rurais, idosas e negras. Segundo informativo da Previdência Social (2008), “na hipótese da inexistência dos benefícios previdenciários a pobreza entre as idosas passaria de 6,6% para 56,8%”.
A reforma da previdência abre mais caminhos para a implementação do projeto neoliberal. O governo golpista tenta culpar as e os trabalhadores por problemas que as novas gerações possam encontrar no futuro: dizem que a previdência é deficitária, mas o que todos os estudos indicam é que a previdência hoje é superavitária. O problema, na verdade, está na sonegação das empresas e no uso dos recursos da previdência para pagar despesas outras.
A desculpa de que a população está envelhecendo parece convincente, mas a quantidade de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros na ativa ainda é suficiente para manter a previdência sem um ajuste tão drástico e injusto.
A Reforma da Previdência, agora conhecida como “Reforma Pé na Cova”, quer aumentar e igualar a idade mínima para aposentadoria de mulheres e homens, passando a ser 65 anos. Nesta conta, a pessoa precisaria começar a trabalhar aos 16 anos e contribuir por 49 anos para se aposentar com salário integral aos 65. Além disso, a reforma pretende cotar os valores das pensões, desvincular o BPC (Benefício de Prestação Continuada) do salário mínimo – esse benefício é destinado a pessoas idosas sem renda ou com renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo, e a pessoas com deficiência sem condições de trabalhar.
A expectativa de vida no Brasil é de 75,2 anos, mas sabemos que a idade se reduz quando falamos da população pobre, preta, rural e periférica – e daqui para frente, com o desmonte do SUS, a população idosa terá ainda menos acesso a meios para preservar a vida e a saúde.
A população rural, que tem uma forma diferenciada de contribuição como assegurados especiais, agora terá que contribuir por pessoa: isto significa que uma mesma família da agricultura familiar, que gera um recurso com a sua produção, terá que dispender de mais recursos para pagar a aposentadoria da mulher e do homem. Sabemos que, na dificuldade, a aposentadoria da mulher é a que ficará para depois. As mulheres e trabalhadores rurais em geral já travaram muitas lutas pelo direito à aposentadoria e a outros benefícios que agora estão ameaçados com a Reforma da Previdência. A aposentadoria no campo tem sido um mecanismo para manter a dignidade das pessoas idosas no campo, além de dinamizar o desenvolvimento local dos pequenos município no interior.
Por que não podemos equiparar os anos de aposentadoria entre homens e mulheres?
“Por que se aposentar mais cedo que os homens não é um privilégio para as mulheres?” – essa é uma pergunta recorrente feita a nós, feministas. A realidade é que as mulheres, ao longo da vida laboral, têm mais dificuldade de contribuir com a previdência, seja porque estão em trabalhos mais precarizados e sem direitos, seja pelo exercício da maternidade obrigatória, do trabalho doméstico e de cuidados, cujas tarefas ainda recaem sobre as mulheres. Esta situação se aprofunda com a ausência de políticas públicas de cuidado, como creches para todas as crianças, escolas infantis em tempo integral, políticas de cuidados com idosos e pessoas com deficiência que têm situação de dependência, entre outras políticas que permitiriam que as mulheres se mantivessem de forma continuada no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que reduziriam suas duplas e triplas jornadas. Em 2012, somente 20,3% das mulheres com filhos de até 3 anos tinham todos os filhos com vaga em creches, segundo dados do RASEAM de 2014.
Segundo o relatório de 2008 do INSS, apenas 27% das mulheres estão aposentadas por tempo de serviço, pois a maioria das mulheres se aposenta por idade. Isso demonstra a enorme desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, onde as mulheres, principalmente as mulheres negras, estão mais sujeitas ao desemprego e à rotatividade no trabalho, passando períodos sem poder contribuir com a previdência. Se essas novas regras forem aprovadas, as mulheres, principalmente as mulheres negras, terão uma velhice de humilhação e dependência econômica.
As mulheres também possuem uma jornada de trabalho produtivo (média de 35 horas semanais) que, somada com o trabalho doméstico e de cuidados (média de 21 horas semanais), é superior à jornada de trabalho dos homens (média de 42 horas semanais no trabalho formal e 10 horas semanais de trabalho doméstico). Além disso, o salário das mulheres é, em média, 30% inferior ao dos homens e, quando a mulher se aposenta, seu beneficio é menor que o do homem.
A reforma que precisamos deve rumar no sentido de enfrentar as desigualdades vividas pelas mulheres no mundo do trabalho; e de incorporar ao sistema de previdência a grande parte dos e das trabalhadoras hoje sem cobertura previdenciária, como é o caso das empregadas domésticas e do trabalho informal num geral, que tem voltado a crescer por causa da crise econômica.
Outro setor na mira desta reforma é o dos e das professoras. Esta categoria, de maioria mulher, poderá perder o direto da aposentadoria especial por 25 anos de trabalho em sala de aula. A conta de tempo de trabalho, após a reforma, se igualaria com a dos demais setores e passaria a ser 49 anos.
Esta reforma é a política da crueldade para retirar direitos da classe trabalhadora e concentrar nas mãos dos mais ricos. Para que as mulheres tenham o direito à previdência com base na igualdade, é preciso combater e extinguir a divisão sexual do trabalho, que organiza a desigualdade entre homens e mulheres em nossa sociedade. Além disso, também é necessário:
Criar mecanismos para fomentar a participação das mulheres nas profissões com igualdade de condições. Fazer mudanças nos currículos escolares, para não mais direcionar as meninas apenas para estudos e profissões mais desvalorizadas e pertencentes à área dos cuidados. Equiparar os salários para funções equivalentes, disponibilizar acesso à creche e à escola em tempo integral para todas as crianças. Compartilhar o trabalho doméstico e de cuidados através de políticas publicas de cuidados com idosos, enfermos, pessoas com deficiência, hoje sob cuidado quase que exclusivo das mulheres. Promover a educação para o compartilhamento de tarefas no trabalho doméstico e de cuidados na família. Reduzir a jornada de trabalho, para que homens e mulheres possam se dedicar também aos trabalhos de reprodução da vida e da força de trabalho.
A seguridade social, sendo por princípio pública, universal, redistributiva e solidária, em tempos de crise deve ser preservada e reforçada como uma política afirmativa para enfrentar as injustiças sociais.
É preciso fortalecer a agricultura camponesa e familiar, que alimenta este país, e taxar o agronegócio, hoje favorecido com uma série de isenções. E é preciso fiscalizar o cumprimento dos direitos das trabalhadoras domésticas pelas e pelos empregadores, para que a cobertura previdenciária destas trabalhadoras seja mais justa.
Defendemos que se mantenha a diferença de cinco anos de idade para o cálculo da aposentadoria das mulheres, como uma forma de compensar a dupla jornada de trabalho.
Defendemos o caráter redistributivo da política de previdência, para que não se fortaleça a concentração da riqueza no país. Queremos a taxação sobre grandes fortunas para financiamento da Seguridade Social. Queremos um sistema tributário, onde quem acumulou muito paga mais para contribuir com o direito de todos e todas.
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*Sonia Coelho é integrante da equipe técnica da SOF Sempreviva Organização Feminista e militante da Marcha Mundial das Mulheres.