Por Helen Evelin de Souza
O ciclo de formação em Alternativas Feministas e Agroecológicas foi realizado entre os meses de março à dezembro de 2023 entre a Sempreviva Organização Feminista, o Instituto Federal de São Paulo (campi Registro e São Miguel Paulista) e a Rede de Agricultoras Paulistanas Periféricas Agroecológicas (RAPPA) com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. O ciclo de formação foi composto por três minicursos de extensão:(i) Fundamentos e inter-relação entre agroecologia e feminismo, (ii) Políticas públicas de fortalecimento da agroecologia e das mulheres agricultoras, (iii) Comercialização Solidária para garantir soberania alimentar.
O ciclo de formação foi realizado em formato híbrido, sendo uma aula virtual com participação e colaboração nos conteúdos teóricos no módulo (I,II III) da professora Heloisa Molina do IFSP de Registro, do professor Leonardo Alves da Cunha Carvalho do IFSP de São Miguel e Miriam Nobre (SOF); módulo II: professora Érica Batista do NEA e a professora Alexandra Fillipack (Subsecretaria de Mulheres do Min. de Desenvolvimento Agrário) e no módulo III: Vivian Franco do Movimento Sem Terra de São Paulo (MST/SP).
Após as aulas virtuais, foram realizadas saídas de campo em comunidades quilombolas e de agricultura familiar do Vale do Ribeira, nas hortas urbanas da zona leste, nos pontos de comercialização em feiras e espaços de vendas de produtos agroecológicos da zona oeste e, um vivência agroecológica dentro da Terra Indígena Tenondé Porã, na Tekoa Kalipety, na zona sul, proporcionando assim, trocas de saberes e vivências na dinâmica campo-cidade entre as participantes e as pessoas de cada território, com a intenção de pequenas imersões para aproveitamento e conexão entre os conteúdos abordados em aula. No retorno de cada saída de campo um encontro virtual de partilha era realizado para discussão do pós-campo.
O ciclo de formação teve 114 participantes, sendo em sua grande maioria estudantes do IFSP de São Miguel, de Registro e da RAPPA.
Módulo I: Fundamentos e inter-relação entre agroecologia e feminismo
Vale do Ribeira – Barra do Turvo, SP.
A saída de campo prevista no módulo “Fundamentos e inter-relação entre agroecologia e feminismo” do curso em “Alternativas agroecológicas e feministas”, foi realizada nas comunidades do Vale do Ribeira em junho de 2023.
Durante a saída de campo se destacou 1) a participação das agricultoras na RAMA contribui para construção de autonomia e a valorização de seus trabalhos no âmbito familiar. Em diferentes vivências foi destacado a relação solidária e a participação direta ou indireta de seus familiares no processo de produção dos alimentos e produtos agroecológicos. 2) “Esse trabalho de formação são várias dimensões, estão discutindo precificação e economia, autoestima, saúde, feminismo, as relações afetivas, a divisão do trabalho em casa, é uma complexidade grande e acontece de uma forma fluida”: A assembleia como instrumento de participação política das agricultoras e a importância da construção coletiva dos preços entre os grupos da RAMA e os grupos de consumo. 3) A relação de cuidado das agricultoras com roça, as pessoas e os animais como parte da (re)produção da vida, como parte de um todo, se vendo como natureza. 3) “Foi como tirar uma venda dos meus olhos”: a experiência foi reveladora para compreender a quantidade de trabalho diário das agricultoras e valorização de seus produtos e alimentos. 5) A ciranda infantil coordenada pelo coletivo Flecha que voa facilitou a integração entre as crianças que vieram de fora e as filhas das agricultoras da RAMA com atividades lúdicas em temáticas similares às que as pessoas adultas debatiam.
“Foram 3 dias intensos de participação no dia a dia do trabalho árduo da Roça, do trato da búfala e de decisões da Assembleia da RAMA. O que mais me marcou foi como a participação na rede impactou positivamente a vida dessas mulheres, aumentando sua auto-estima e tirando muitas de estados depressivos. A agroecologia salva vidas de mulheres indígenas, quilombolas, assentadas e agricultoras familiares.” Laura Carvalho – RAPPA.
Módulo II: Políticas públicas de fortalecimento da agroecologia e das mulheres agricultoras
Hortas urbanas – Zona Leste, SP.
A saída de campo prevista no módulo “Políticas públicas para a agroecologia” do curso em “Alternativas agroecológicas e feministas”, foi realizada na zona leste em setembro de 2023.
Foram divididos em dois grupos: alecrim (Horta da Mata) e arruda (Horta Sabor da Vitória) com partida das imediações do metrô Itaquera em direção à Horta da Mata, situada no bairro José Bonifácio. O outro grupo dirigiu-se à horta Sabor da Vitória, localizada em São Mateus.
A segunda parte da saída, foi no novo espaço onde o Grupo de Agricultura Urbana que as mulheres de São Miguel produz – Mulheres do GAU, local que foi um ponto de descartes de resíduos, se tornou após o empenho das mulheres um novo local para produção de alimentos. Cada grupo compartilhou suas reflexões sobre a distribuição de alimentos nas periferias e suas visões sobre cada território da leste que visitamos pela manhã por meio da dinâmica dinâmica de cartografia social, onde os grupos alecrim e arruda sinalizaram em um mapa da zona leste, escrevendo e inserindo bolinhas coloridas sobre os seguintes tópicos: pontos de produção, pontos de apoio (serviços públicos), pontos de comercialização, compra de insumos e materiais para venda que gerou um debate rico e profundo sobre o contexto das políticas públicas.
Finalizamos o dia com uma roda de dança, cantos e risadas, regado a muitos abraços, compras de hortaliças e com alguns pontos levantados pelas anfitriãs.
“Este novo espaço nos aproximou ainda mais da nossa quebrada, quando nos perguntam se a quebrada come sem veneno, podemos dizer: aqui sim, se eles quiserem é só vir aqui, é aberto. Muitas vezes os vizinhos abrem as janelas e nos pedem sem sair de casa, um pé de couve, um agrião, me emociono.” Joelma – agricultora Mulheres do GAU.
Módulo III:Comercialização Solidária para garantir soberania alimentar
Butantã – Zona Oeste, SP.
Na saída de campo na Zona Oeste contou com 3 momentos. A primeira parada foi no Espaço Ermaná com uma roda de conversa sobre experiência de compra e doação de alimentos durante a pandemia. Já a segunda parada foi na Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã, realizada desde dezembro de 2017 no Viveiro II no Butantã. A roda de conversa aconteceu junto ao grupo de colaboradoras responsáveis pela organização e realização da feira. O local, que estava abandonado há 20 anos, passou por um processo de revitalização a partir de uma ação comunitária, onde foram realizados mutirões de limpeza do espaço. A última parada foi no Instituto Baru, com um almoço preparado para os participantes seguida de uma roda de conversa sobre a associação. A iniciativa teve início a partir de um grupo de consumo de uma escola municipal, formado por pais, cujas cestas eram entregues todos os sábados. Hoje o Instituto Baru conta com mais de 200 fornecedores, entre empresas e produtores, inclusive a RAMA da Barra do Turvo.
Aldeia Kalipety – Zona Sul, SP.
A saída de campo prevista no módulo “Comercialização solidária para garantir soberania alimentar.” do curso em “Alternativas agroecológicas e feministas”, foi realizada na aldeia Kalipety, no Território Indígena (TI) Tenondé Porã em dezembro.
O ponto de encontro foi na estação Jurubatuba da CPTM, onde de lá partimos direto para a aldeia. No caminho fomos identificando alguns aspectos da região sul, como as áreas de mananciais que compõem o abastecimento da cidade graças aos reservatórios da Represa Billings e Guarapiranga, passando no marco divisor e seguimos observando os pontos turísticos, as belezas cênicas e o contraste periférico. O asfalto acabou e o trecho de terra iniciado indicava que a aldeia estava próxima. Chegamos e fomos recepcionados pela liderança da aldeia, a Jera Guarani que nos acolhe com café, batata roxa, banana assada e melancia. Comemos e em círculo iniciamos uma breve introdução sobre a cultura e o modo de viver da comunidade indígena, o “Nhandereko”. Jera contextualiza como hoje na TI as lideranças se fortalecem tendo como base um local comum de discussão – sendo este o conselho indígena – do território, onde todas as 14 aldeias possam ter espaço de fala, espaços antes ocupados por hierarquias familiares, agora relata que vivem em um sistema democrático de lideranças. Menciona como os avanços foram significativos após a compreensão da comunidade sobre um sistema de igualdade nas aldeias. Que ao longo dos anos a luta contra o patriarcado, os alcoolismos, o sistema capitalista, o machismo foram (e ainda é) são pontos fortemente levantados pelas lideranças, onde a questão de gênero é observada e levada a sério, assim como a pauta LGBTQIA+. Comenta que os abusos e agressões contra as mulheres são motivos de expulsão dos agressores.
Chegada a hora do almoço guarani: feijão preto com milho, cuscuz com coco ralado, batata-doce, frango ao molho e sobremesa laranja e melancia. Alimentos que nos nutriram após longa reflexão sobre a forma que comemos na cidade. Após a refeição, fomos nadar no rio Capivari, nos refrescamos, cruzamos a aldeia, vimos os SAFs – Sistemas Agroflorestais em meio aos bosques de eucaliptos e seguimos para um novo espaço de roçado que a comunidade iniciou.
“Minha filha me questionou porque temos que pagar para ter alimento.” Jera Guarani – liderança da Kalipety.“Eu me senti bem vendo pessoas como eu, vendo pessoas que são parecidas comigo, aqui na cidade. Não sabia que isso poderia acontecer.” Daysi – aluna do curso de agroecologia do IFSP.