Participantes de 16 quilombos de todo o estado de São Paulo, além de Paraná e Rio de Janeiro, estiveram presentes.
Mulheres quilombolas de diferentes partes do estado de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro participaram entre os dias 26 e 28 de novembro, em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, de encontro organizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), em parceria com a SOF Sempreviva Organização Feminista, CTA – Zona da Mata Feminista e Instituto Socioambiental (ISA). O encontro é um marco para o movimento quilombola do estado de São Paulo, pois reafirma o compromisso com a luta antirracistas, antifascistas e pela vida nos territórios.
Estiveram presentes mais de 40 mulheres vindas dos quilombos de São Pedro, Nhunguara, Jaó, Caçandoca, Cedro, Reginaldo, Ivaporunduva, Cangume, Sapatu, Poça, Pedro Cubas de Cima, João Surá, Fazenda, Terra Seca, Ribeirão Grande, Porto Velho, dos municípios de Adrianópolis, Barra do Turvo, Eldorado, Iporanga, Itaoca, Itapeva e Ubatuba.
Nilce Pereira dos Santos, da Conaq, destacou que o objetivo do encontro foi aprofundar a organização coletiva das mulheres, reforçando a luta pela regularização dos territórios quilombolas, o antirracismo e a agroecologia. “Temos o desafio de resistir, nos comunicarmos e nos encontrarmos para ter um território sustentável construído efetivamente a partir de nós”, disse.
“Esses encontros sempre nos fortalecem. Trocamos saberes, vivências, falamos de nossa história e percebemos como nossa luta é a mesma”, destacou Laura Braga, do Quilombo da Fazenda, de Ubatuba, na acolhida das participantes. Mulheres de diversos quilombos do município de Eldorado decidiram criar o Coletivo Mulheres Quilombolas na Luta, para dialogar com as mulheres e jovens sobre os problemas vividos durante a pandemia e enfrentá-los coletivamente.
Logo na apresentação, as mulheres contaram de onde vinham e quais eram suas expectativas com o encontro. Resistência, luta, solidariedade, igualdade, amor, aprendizado, conhecimento, justiça, partilha, fé, amor, paz, sabedoria, confiança e continuidade foram palavras que surgiram nesse momento.
Durante o encontro, as mulheres denunciaram a falta de políticas públicas e descaso do governo de São Paulo quanto à titulação dos territórios e apoio à privatização dos parques estaduais que estão sobrepostos em territórios quilombolas.
As quilombolas relataram as opressões vividas com a expulsão de suas famílias de seus territórios por interesses do capital, identificados como projetos de mineração, barragens, projetos de especulação imobiliária, corporações farmacêuticas que produzem veneno (agrotóxicos agora disfarçados de “defensivos” químicos), além das proprias unidades de conservação. Foram comuns as narrativas de violência e perseguição jurídica e de multas contra a população negra e quilombola por práticas como uso da coivara (queima controlada) ou a retirada de madeira de árvores já mortas, assim como o impedimento do uso de água. A tudo isso, se soma ainda a violência patriarcal que atinge mulheres de todas as idades e que exige mais reflexão e articulação desde as quilombolas.
Ao mesmo tempo, foram compartilhadas várias formas de resistência feitas pelas quilombolas para seguir vivendo e produzindo alimento saudável, livre de agrotóxicos. São muitos os esforços para fazer essa produção chegar ao maior número possível de pessoas da periferia e não somente a quem pode pagar.
Miriam Nobre, da SOF, lembrou que, no encontro de Belo Horizonte da Articulação Nacional de Agroecologia, as mulheres negras, quilombolas e indígenas afirmaram a necessidade de um feminismo com profundo compromisso antirracista pra construir agroecologia. “E aqui nós estamos construindo o que isso quer dizer. O respeito à roça tradicional de coivara é um ponto muito importante. A agrofloresta não basta, pois não dá conta de plantio de mandioca, arroz, feijão, milho”, afirmou Miriam.
Foi citado o papel fundamental dos quilombos na recuperação da biodiversidade. Um exemplo é a recuperação de variedades de arroz que tinham desaparecido, assim como de milho crioulo. “Somos privilegiadas quando comemos a farinha de milho ou de mandioca produzida no quilombo e que nos proporciona saúde. O que as comunidades quilombolas estão fazendo é uma resistência de memória, de povo, de território e de espécie, de variedades, e a roça de coivara tem a ver com tudo isso e deve ser defendida por todo o movimento agroecológico”, destacou Miriam.
Outro ponto mencionado foi o da vigilância feita sobre os territórios quilombolas com imagens de satélites e drones. As mulheres presentes reforçaram a aliança entre povos do campo e da cidade como forma de deixar o povo trabalhador mais forte e resistente às doenças.
No encontro, houve ainda oficina de troca de experiências sobre a colheita e o processamento da juçara e grupos de trabalho que aprofundaram o debate sobre o racismo e a agroecologia.
Na plenária de compartilhamento dos resultados dos trabalhos, foram apontadas diversas situações percebidas como racismo. O governo Bolsonaro é encarado como um inimigo que despreza a vida dos quilombolas, pois obstruiu e atrasou a compra de vacinas que teriam salvo muitas vidas do povo negro e destruiu programas fundamentais para o escoamento da produção como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), além de acabar com o Bolsa Família.
Dona Zeni de França da Rosa, que é agricultura e comercializa na cooperativa do município, relata os problemas vividos nas propriedades: “Nós estamos com problemas com as licenças ambientais, pois quando pedimos demora para sair e quando sai, já passou a época de realizar o plantio”. Jane Aparecida, que participa da Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras do município de Barra do Turvo (RAMA), também relata os problemas vividos: “nós precisamos de apoio para compras de pequenos equipamentos como roçadeira, tobata entre outros, para facilitar o trabalho das mulheres na produção ”.
Enfrentar o racismo passa também por defender a educação quilombola dentro dos territórios e dos currículos escolares. “Temos direitos. Temos orgulho de pegar na enxada e produzir alimentos que são vida. Nossa luta é justa. Temos esperança de que a vida vai mudar.”
Como encaminhamentos do encontro, as mulheres construíram uma carta política, contendo denúncias e reivindicações e uma moção de repúdio às concessões dos parques estaduais para fins de lucros de empresas privadas. Finalizaram o encontro com a palavra de ordem “eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”.
Por Alessandra Ceregatti e Carla Galvão