Por Natália Lobo*, publicado originalmente no Brasil de Fato
A luta por uma organização econômica que coloque a vida no centro é pauta permanente do feminismo popular, e se mostra muito atual diante da gestão genocida da pandemia da covid-19.
O que vemos hoje são as empresas farmacêuticas, em aliança com governos de ultradireita, colocando o lucro acima da vida, e a mineração sendo considerada pelo governo brasileiro como trabalho essencial.
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A organização da economia é um assunto das mulheres, e temos propostas para organizar a vida coletiva de forma mais justa, colocando a vida no centro.
Mas a luta feminista contra políticas econômicas de aprofundamento das desigualdades não é de hoje. São décadas colocando a luta contra o livre comércio no centro da nossa agenda.
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Estivemos ativas na luta contra a ALCA no início do século, demonstrando o quanto um acordo de livre comércio naqueles termos significaria a precarização do trabalho das mulheres, a sobrecarga de trabalho doméstico e de cuidados em decorrência da diminuição do papel do Estado, o avanço sobre os corpos-territórios, o que significa a exploração da natureza, o controle do corpo das mulheres como natureza apropriada, o aumento da prostituição.
Nos colocamos, naquele momento, contra a possibilidade de inserir cláusulas de gênero no acordo, negando as possibilidades de negociação, por entendermos que a gênese do livre comércio é o aprofundamento do neocolonialismo, da militarização e do domínio do mercado sobre a vida.
Atualmente, o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, que já está no papel há mais de vinte anos, tem ganhado fôlego novamente.
Vemos a retomada das negociações com preocupação, porque suas propostas são velhas conhecidas: exploração da natureza, domínio das empresas transnacionais, desmonte de empresas e políticas públicas. Nada que aponte para um país e uma América Latina mais justa e soberana.
Somos contra o acordo não só porque ele impacta a vida das mulheres de forma mais violenta, mas também porque nos opomos frontalmente a este modelo de organização da economia e temos nossas próprias alternativas a ele.
A pandemia tem sido uma lente de aumento, escancarando a produção cotidiana do viver e o trabalho constante e essencial feito pelas mulheres, que ensinam do que a economia realmente é feita e o que precisa ser priorizado para garantir a vida.
Questionamos os falsos argumentos dos defensores do livre comércio, que afirmam que ele seria benéfico para os países do sul por promover o crescimento e o desenvolvimento da economia.
Sabemos que o que vai ocorrer é, isso sim, o fortalecimento da nossa economia primária exportadora que depende da exploração da natureza, sem que isso necessariamente leve ao crescimento econômico.
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Além disso, não aceitamos as noções de crescimento e desenvolvimento econômico como inquestionáveis e indispensáveis para o que seria uma “boa” economia.
Também é comum que este acordo seja colocado como algo que vai fortalecer o cuidado com o meio ambiente. Isso é refutado pelos movimentos do norte e do sul global, que sabem que a tendência real é de aprofundamento do extrativismo e do uso de venenos e novas biotecnologias nos países do sul.
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Esta tendência é ocultada pelo novo discurso verde dos países do norte, que propagandeiam o crescimento da agricultura orgânica e dos transportes elétricos em seus países, mas não esclarecem sobre quais bases isso se dá, ocultando a exploração da natureza, das mulheres e dos povos.
Foi pensando na importância de mostrar que esse assunto não pode ficar restrito aos especialistas que a Marcha Mundial das Mulheres e os Amigos da Terra Brasil lançaram a animação É hora de dar um basta no livre comércio.
O vídeo explica a intenção do acordo de aprofundar o que as mulheres já vivem na pele hoje: o aumento da fome, do desemprego e o controle das empresas sobre seus corpos e territórios.
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O atual cenário político do Brasil já nos dá pistas do que pode acontecer com a aprovação do acordo, pois ele representa o aprofundamento das políticas que já estão sendo implementadas. Não à toa, o governo Bolsonaro tem acelerado essa pauta e se coloca abertamente como um defensor da aprovação.
A resistência contra o livre comércio precisa ser ainda mais forte por conta do caráter vinculante desse tratado, que faz com que as lutas e resistências futuras a ele sejam muito dificultadas.
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Por isso, nos dedicamos aos esforços de lutar contra a aprovação do acordo desde já, popularizando o debate e mostrando o que está em jogo para as mulheres e para o povo negro e trabalhador.
Contra o discurso de que não há saídas para a economia dos nossos países a não ser manter a lógica neocolonialista que nos explora, chamamos a nossa imaginação coletiva para pensar qual forma realmente queremos para a organização da economia e da vida coletiva.
*Natália Lobo é agroecóloga e integra a equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista