Por Helena Zelic
No dia 28 de setembro, passaremos por mais um Dia Latinoamericano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto. No Brasil, este é mais um dia de luta pelo fim da criminalização das mulheres e, particularmente, para enfrentar os retrocessos que ameaçam nossos direitos.
A conjuntura política brasileira está em tempos conturbados, em que os ataques conservadores são também intrínseca e diretamente misóginos. Nos últimos dias, nos deparamos especialmente com muitos motivos para fortalecer o feminismo e seguir em marcha. Seguimos em marcha para legalizar o aborto – para que mulheres não precisem mais passar pela clandestinidade, ameaça, medo e processos inseguros para exercer autonomia sobre suas vidas e corpos. Algumas propostas e projetos de lei apresentados, porém, são obstáculos para nossos caminhos feministas, para a conquista do nosso direito a autonomia.
Entre as ameaças de retrocessos está o rebaixamento das Secretarias de Políticas para as Mulheres (SPM) e de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, que hoje tem status de Ministério, e uma possível fusão com a secretaria de Direitos Humanos e a Secretaria Geral em um único Ministério. Evidentemente, esta proposta significará um desmonte das políticas já conquistadas e colocará ainda mais limites para avançar em reivindicações urgentes das mulheres e da população negra. Enquanto militantes, coletivos e organizações feministas, nos posicionamos contra esta medida que abre espaço para o estagnamento das políticas públicas rumo à igualdade, o aprofundamento das desigualdades já existentes e tampa os ouvidos para a voz das mulheres e pessoas negras, já tão silenciadas na esfera da política.
Também nos últimos dias, foi reaberto o PL 5069/2013, de autoria do deputado Eduardo Cunha, e pautado o PL 215/2015, substitutivo que une projetos do PMDB, PRP e SD. O primeiro pretende dificultar mais ainda o acesso ao aborto, criminalizando todas e todos que auxiliarem, de qualquer forma, uma interrupção de gravidez, mesmo em casos de violência sexual. Trata-se de uma violação aos poucos direitos já conquistados pelas mulheres e torna até mesmo nossas atividades feministas de formação e debate passíveis de criminalização. Eduardo Cunha, do alto de sua misoginia, segue ameaçando as mulheres.
O segundo PL, 215/2015, ameaça as conquistas do Marco Civil da Internet. Ele tem como objetivo facilitar a violação da privacidade nos meios virtuais, tornando desnecessária a exigência de ordem judicial para tal invasão. Em tempos de forte ofensiva machista, este projeto, apelidado de “PL Espião”, deixa as mulheres ainda mais vulneráveis e desprotegidas, sobretudo ao tratarem de pautas feministas, mobilizações e relacionados ao exercício de nossa autonomia por meio de ferramentas virtuais corriqueiras como email, mensagens e redes sociais.
São tempos sombrios para os direitos das mulheres, rifados ao mesmo tempo em que se anunciam políticas que aprofundam desigualdades. Neste cenário, apesar de tudo – e justamente por tudo – é ainda mais necessário que nós, mulheres, afirmemos todos os dias como dias de luta pela legalização do aborto, e pelo direito a nossa autonomia e autodeterminação. Não deixaremos que nos calem.
Neste dia 28 de setembro, nos somamos a Primaveira pelo Direito ao Corpo e a Vida das Mulheres, que é parte da IV Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, em Santana do Livramento, no sul do país. Serão três dias de atividade trinacional, com mulheres do Brasil, Uruguai e Argentina, para intercâmbio, formação e mobilização por autonomia, liberdade e por aborto legal, seguro e gratuito em toda a América Latina. Todos os dias, reafirmamos:
“Somos clandestinas.
Estamos em marcha.
Seremos livres!”
*Helena Zelic é militante da Marcha Mundial das Mulheres e integrante da SOF Sempreviva Organização Feminista