Nos dias 4 e 5 de dezembro, a SOF e a Marcha Mundial das Mulheres organizaram o Seminário Internacional “A centralidade do trabalho na resistência feminista anticapitalista”. Com presença de pesquisadoras e militantes de diversas partes do Brasil e da América Latina, o encontro cumpriu o papel de atualizar os debates feministas sobre a realidade do trabalho hoje e as possibilidades de resistência e luta.
O seminário teve participação de cerca de 100 mulheres de todo país, e da Colômbia, Chile e Argentina, além das pessoas que acompanharam a transmissão ao vivo.
A programação foi organizada a partir de mesas com muito tempo para o debate aberto, quando pessoas de diferentes partes do país fizeram suas intervenções. A avaliação das participantes é que foi um espaço importante para dar centralidade à questão do trabalho e articulá-la ao conjunto das lutas feministas.
Primeiro dia
A mesa de abertura, “Eixos para uma resistência anticapitalista”, contou com a presença de Miriam Nobre (SOF e Marcha Mundial das Mulheres), Margarida Salomão (Deputada Federal PT/MG), Iris Pacheco (MST) e Sandra Solano (Confluencia de las Mujeres, Colombia). O espaço aprofundou a discussão sobre o atual momento do capitalismo, identificando quais os ataques do neoliberalismo à democracia, as articulações entre a ascensão do fascismo e conservadorismo, as disputas pela terra e território e os fundamentos racistas e patriarcais desse sistema.
Sobre as estratégias de resistência, Margarida apontou: “temos que retomar o diálogo com as classes populares. Temos que fazer essa disputa ressaltando o debate de classe, de trabalho. É de luta de classes que se trata. Vamos ter que disputar a educação, porque é a área que eles escolheram como estratégia fundamental de construção de hegemonia”.
Iris expôs as lutas travadas no campo hoje, e concluiu: “a terra hoje é colocada como uma mercadoria que faz parte desse processo mundial de controle do poder politico, econômico, midiático”. Sandra trouxe a realidade da luta contra o neoliberalismo na Colômbia, que foi interessante para traçar paralelos com a realidade brasileira e construir uma compreensão continental. “Um Brasil sem democracia é ruim para todos, mas é péssimo para as mulheres”, disse Margarida.
A mesa seguinte, “A centralidade do trabalho para as lutas feministas”, reuniu Nalu Faria (SOF e Marcha Mundial das Mulheres), Clarisse Paradis (professora da UNILAB/Bahia e Marcha Mundial das Mulheres) e Bianca Santana (jornalista, escritora e doutoranda da ECA-USP). As mulheres recuperaram os acúmulos feministas sobre o trabalho, a partir das perspectivas da divisão sexual do trabalho, da economia feminista e da sustentabilidade da vida.
“A economia feminista tem a ideia de reconectar as esferas da vida: a alimentação, a casa, a semente, a cultura, as coisas que a gente precisa pra viver. Escancara quem está na base do capitalismo e é uma arma importante contra a apropriação que o neoliberalismo faz sobre nossas lutas. Também escancara que o feminismo é um projeto que transforma toda a engrenagem do capitalismo, não diz simplesmente qual cultura devemos ter dentro de um sistema que continua explorando a vida das pessoas”, refletiu Clarisse.
Bianca recuperou a história do trabalho das mulheres no Brasil desde o período da escravidão e trouxe questionamentos: “como continuamos vivas mesmo com o projeto genocida do Estado brasileiro? Quais são as estratégias e táticas de existência das mulheres negras? São anticapitalistas e baseadas na vida comunitárias”.
Nalu posicionou a divisão sexual do trabalho na estrutura do sistema, como é também o racismo, e afirmou que “isso é fundamental para nós, para não aceitarmos que as nossas lutas estejam como parte das lutas identitárias, porque elas são muito mais amplas. Esse ocultamento é cômodo para a economia capitalista”.
Segundo dia
O dia 5 começou com a mesa “Dinâmicas atuais da exploração do trabalho”, com Marilane Teixeira (economista e assessora sindical), Regina Teodoro (Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas) e Ludmila Abilio (socióloga, pesquisadora do CESIT-Unicamp). Foi um espaço de reflexão sobre as dinâmicas atuais da exploração do trabalho, responsáveis por mais precarização, terceirização e informalidade.
Marilane expôs, em dados, quais os trabalhos exercidos pelas mulheres no Brasil, e em quais condições. Ludmila apresentou o conceito de uberização, que, explica ela, “é uma redução do trabalhador a uma questão de produção. Você é desprovido de direitos, garantias, segurança, e integralmente responsável por sua própria administração e auto-gerenciamento. Essa transferência mantém pressões e ameaças, é extremamente eficiente, além de transferir custos”.
Regina trouxe a realidade e os desafios do trabalho doméstico remunerado, e afirmou: “não acredito que a mulher negra vai ter o mesmo salário que a mulher branca nesta sociedade capitalista, racista e machista”, ponto importante para a afirmação de um feminismo antissistêmico.
Durante a tarde, duas mesas encerraram o seminário com apontamentos para a luta política. A primeira, intitulada “Os desafios atuais do feminismo”, teve Bernadete Monteiro (Marcha Mundial das Mulheres-MG),
Liliane Oliveira (Marcha Mundial das Mulheres-BA) e Alejandra Angriman (CTA Autónoma-Argentina) trazendo reflexões diante das dinâmicas de capturas corporativas e neoliberais, as dinâmicas institucionalizadas que se reapresentam na atual conjuntura com diferentes formatos e o desafio de construir lutas referenciadas na imbricação das relações de classe, raça e gênero.
No final da tarde, a mesa “Perspectivas de resistência e luta dos movimentos sociais” reuniu mulheres representantes da Marcha Mundial das Mulheres, Via Campesina, UNE, CUT, Marcha das Mulheres Negras SP, CONTAG, União dos Movimentos de Moradia, MTST e CONAQ. Foi um espaço importante de construção de unidade feminista e um aceno à formulação de agendas comuns para os próximos tempos, a partir de bandeiras de luta anticapitalistas e de reivindicações que partem dos territórios e dos espaços de resistência pelo país.