A sociedade capitalista e patriarcal se estrutura em uma divisão sexual do trabalho que separa o trabalho dos homens e o das mulheres e define que o trabalho dos homens vale mais que o das mulheres. O trabalho dos homens é associado ao produtivo (o que se vende no mercado) e o trabalho das mulheres ao reprodutivo (a produção dos seres humanos e suas relações). As representações do que é masculino e feminino é dual e hierárquica, assim como a associação entre homens e cultura, e mulheres e natureza.

Na Marcha Mundial das Mulheres lutamos para superar a divisão sexual do trabalho e, ao mesmo tempo, pelo reconhecimento de que o trabalho reprodutivo está na base da sustentabilidade da vida humana e das relações entre as pessoas na família e na sociedade. Acreditamos que é possível estabelecer (e em alguns casos reestabelecer) uma relação dinâmica e harmoniosa entre as pessoas e a natureza e que as mulheres com sua experiência histórica têm muito para dizer sobre esse tema.

No Rio + 20, seguiremos na luta contra o capitalismo verde e afirmaremos as alternativas das mulheres.

Entre os dias 15 e 23 de junho será realizada na cidade do Rio de Janeiro, a Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental: contra a mercantilização da vida e da natureza e em defesa dos bens comuns. A Cúpula será no Aterro do Flamengo, em paralelo a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, chamada de Rio + 20. A reunião oficial marca o vigésimo aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92 ou ECO 92).

A Cúpula é um amplo espaço construído desde a sociedade civil global para propor uma nova forma de vida no planeta em solidariedade, contra a mercantilização da natureza e em defesa dos bens comuns. Enquanto a agenda oficial da Rio + 20 privilegia a chamada “economia verde”, as instituições globais, movimentos e organizadores da Cúpula dos Povos – da qual nós da MMM fazemos parte- se posicionam contra essa nova roupa do mesmo modelo de produção e consumo capitalista, este sim responsável pela crise atual do planeta. Mais de 30 mil pessoas são esperadas para estas ações.

Um Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira (CFSC), integrado por movimentos sociais, organizações não governamentais, coletivos e redes, se atém a todos os detalhes (metodologia, comunicação, mobilização, território). O CFSC é coordenado pelo chamado “Grupo de Articulação”, que reúne muitos movimentos sociais e redes nacionais como a MMM, a CUT, a Via Campesina, a Rede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip), movimentos de jovens e ambientalistas. A partir dos debates nessas instâncias, se chegou ao seguinte desenho para as atividades da Cúpula:

5: Dia de Ação Global contra o Capitalismo
15 e 16: Atividades Autogestionadas de Articulação
17: Plenárias de convergência pré-assembleia
18: Mobilizações e Atividades Autogestionadas de Articulação (manhã), Plenárias de convergência pré-assembleia (tarde)
19: Mobilizações e Atividades Autogestionadas de Articulação (manhã), Assembléia dos Povos – Causas estruturais da crise e Falsas Soluções (tarde)
20: Dia de Mobilização Nacional/Global. Uma grande manifestação no Rio de Janeiro e em várias cidades brasileiras para expressar a luta dos povos contra a mercantilização da natureza e em defesa dos bens comuns.
21: Atividades Autogestionadas de Articulação e mobilizações (manhã), Assembleia dos Povos – Nossas Soluções
22: Assembleia dos Povos – Agendas de luta e campanhas (manhã), Ato cultural de encerramento – Ecoar das vozes dos povos
23: Avaliação

Dentro da Cúpula, junto a outros movimentos sociais que compartilham nossa visão anti-capitalista, anti-patriarcal e anti-racista, nós, da MMM, estamos colocando ênfase na Assembleia Permanente dos Povos (APP), que é o espaço onde, através dos depoimentos e análises, dos intercâmbios e da solidariedade, da mobilização e das ações concretas, teremos o desafio de fortalecer as lutas presentes e convocar a novas ações e iniciativas, geradoras de novas plataformas de unidade. A APP se organizará ao redor de três eixos:

– As causas estruturais da atual crise de civilização, a partir de exemplos concretos como das crises energética, financeira, alimentar e ambiental, e denúncia das falsas soluções apresentadas pelo mercado.
– A reafirmação das práticas de resistência, os novos paradigmas e alternativas construídas pelos povos;
– A agenda política de lutas para o próximo período.

Um grupo de trabalho de Metodologia está discutindo a melhor forma de organizar este processo de convergências para a Assembléia dos Povos, para visibilizar e fazer valer nossos novos paradigmas.

A MMM e os debates sobre a Rio+20

Nós estamos presentes na construção da Cúpula dos Povos como parte de um processo global de resistência ao capitalismo, que é patriarcal e racista e que hoje se expande cada vez mais dentro de todas as esferas a vida.

Nosso objetivo com a participação neste processo é conseguir, antes mesmo da Cúpula dos Povos, dar visibilidade aos processos de luta contra as falsas soluções e contra o capitalismo verde que estamos envolvidas desde nossos países. E, a partir de uma posição feminista (anti-sistemica e crítica), provocar um debate aberto para desmascarar as intenções das transnacionais e de muitos governos sobre a economia verde, denunciando o entrelaçamento desta proposta com o aumento da opressão das mulheres. Ao mesmo tempo, queremos dar visibilidade às propostas alternativas das mulheres para o bem viver e conviver através de nossa participação ativa e em aliança com os movimentos sociais.

Temos como ponto de partida os debates e ações organizadas ao longo de nossa história como movimento que estão sintetizados em nossos campos de ação, especialmente em “Bens comuns e serviços públicos”.

(http://74.207.232.136/mmm2010/documentos/MMM_Internacional_bens_comuns.pdf/at_download/file)

Posicionamos o feminismo desde o campo da crítica às falsas soluções à crise ambiental e para afirmar que o novo discurso capitalista, que hoje se traduz no termo “economia verde”, é o mesmo modelo de mercado que mercantiliza nossas vidas, nossos corpos e nossos territórios. Dizemos Não! às falsas soluções propostas pelo mercado e seus agentes, como os créditos de carbono, os agrocombustíveis, os mecanismos de REDD e REDD ++ e a Geoengenharia. Não aceitamos “soluções” que só geram mais negócios e não mudam o modelo de produção, consumo e reprodução social. Mas, também, afirmamos que as alternativas construídas e propostas pelos povos devem integrar uma dimensão geradora de igualdade, enfatizando que, para que as mesmas sejam alternativas globais verdadeiras, devem contemplar a igualdade entre mulheres e homens, o direito das mulheres a uma vida sem violência e a divisão do trabalho doméstico e de cuidados entre homens e mulheres. Para isso, partimos dos conhecimentos que acumulamos a partir da economia feminista, colocando a sustentabilidade da vida humana como objetivo.

Esse debate de crítica ao capitalismo e ao desenvolvimento de alternativas não se realiza nos marcos institucionais da ONU ou em seus espaços de diálogo com a sociedade civil, que muitas vezes se restringem a adicionar cláusulas de gênero em seus tratados, em uma lógica similar ao que tem passado nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Acreditamos que o debate sobre alternativas só pode avançar com muito trabalho de conscientização junto às mulheres e em espaços de aliança com outros movimentos sociais que também se contrapõem e lutam contra o capitalismo, patriarcal e racista. Com esta perspectiva, estivemos presentes em vários espaços dos povos, paralelos às cúpulas oficiais como a COP (Conferencia das Partes) da Convenção sobre mudanças climáticas da ONU realizadas em Bali (2008), Copenhaguen (2009), Cancún (2010) e Durban (2011). Também participamos de processos construídos junto aos povos, em especial, a Cúpula dos Povos sobre Mudanças Climáticas e Direitos da Mãe Terra (Cochabamba, Bolivia, 2010) e no Fórum Social Temático Crises do Capitalismo justiça ambiental e social (Porto Alegre, Brasil, 2012).

Ações da MMM

Em todos os processos internacionais nos quais participamos como MMM (FSM, Cúpulas dos Povos), a construção de nossa estratégia de intervenção é feita em diálogo com a dinâmica e a orientação da Coordenação Nacional (CN) que recebe o evento. De modo que, além de participar no Grupo de Articulação da Cúpulas dos Povos, a CN Brasil, desde 2011, aprofunda a discussão sobre a Rio+20 e a Cúpula dos Povos em atividades nacionais de formação e nas reuniões da coordenação nacional.

Estamos coordenando nossa presença nas atividades e mobilizações em conjunto com os movimentos sociais aliados (Via Camponesa, Amigos da Terra etc).

Durante a Cúpula dos Povos, planejamos ter os seguintes espaços:

1. Alojamento da MMM para 1.000 mulheres: este será um espaço de alojamento, organização e intercâmbio, tanto para a delegação brasileira quanto para as delegadas internacionais da MMM de outros países que possam estar no Rio. Os comitês da MMM nos estados brasileiros já estão organizando atividades de formação, mobilização e de finanças para garantir a presença de suas delegações.

2. Participação nos espaços da Cúpula: organizamos nossas atividades de forma a potencializar a construção das plenárias de convergências e da assembléia dos povos, garantindo que a perspectiva feminista seja parte destes processos.

3. Mobilizações: Com os movimentos sociais aliados, planejamos ter muita ação nas ruas durante os dias da Cúpula. Estamos em processo de trabalho para visibilizar a agenda feminista nessas mobilizações. Por exemplo, na luta contra as minerações (principalmente contra a Vale), queremos denunciar como a ofensiva do capital sobre os territórios avança também sobre nossos corpos, o tema da violência, a prostituição.

No dia 18 de junho, faremos uma mobilização das mulheres, organizada com o conjunto de movimentos de mulheres do Brasil e com mulheres de movimentos mistos aliados à MMM. Nesta mobilização, queremos expressar um forte posicionamento feminista contra o capitalismo verde.

Dentro da MMM, o Comitê e o Secretariado Internacional constituíram um grupo de trabalho interno para compartilhar informações, elaborar documentos que ajudam na formação para a ação e para uma atuação política que consiga uma participação ativa e com visibilidade na Cúpula, e para o acompanhamento e coordenação da nossa atuação nos diferentes países.

5 de Junho: dia de mobilização internacional

Conscientes da necessidade de gerar um processo mais amplo de crítica à economia verde, durante o Fórum Social Temático “Crise capitalista, justiça social e ambiental”, realizado em Porto Alegre (RS), Brasil, de 24 a 29 de Janeiro de 2012, a Assembleia de Movimentos Sociais definiu a construção de um dia mundial de ação comum: o 05 de Junho, com o objetivo de mandar uma forte mensagem a cada um de nossos governos antes da Conferência da ONU (Rio+20). Nessa data, que coincide com o Dia Internacional do Meio Ambiente, vamos destacar nossas posições, que são contrárias às políticas que servem as corporações transnacionais e implicam na mercantilização da natureza, de nossas vidas e nossos corpos, e afirmar nossas alternativas.

Como parte de nossas alianças, reforçamos nossos eixos comuns de lutas, decididos em 2011, em Dakar: contra as empresas transnacionais, pela justiça climática e soberania alimentar, contra a violência contra as mulheres e contra a guerra, o colonialismo, as ocupações e a militarização de nossos territórios.

Para ler a declaração da Assembleia de Movimentos Sociais em Porto Alegre 2012, clique aqui:
http://www.marchemondiale.org/alliances_mondialisation/asamblea-movimientos-sociales/declarations/poa-2012/es

No Brasil, também, durante os dias da Rio + 20 prepara-se para o 20 de Junho uma mobilização com forte presença nacional e internacional.

Rio +20: um olhar sobre o processo oficial

Em janeiro de 2012, a ONU lançou o rascunho zero do documento preparatório para as discussões oficiais com o título “O futuro que queremos”. O documento tem muitos problemas: apresenta a economia verde e a participação do setor privado como solução para os problemas que eles mesmo criaram e criam; reafirma a Rodada de Doha da OMC, a declaração de Paris sobre cooperação internacional e a COP-17, todos acordos que reforçam o interesse das corporações. E, ao final, propõe como medidas concretas o estabelecimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Quem segue o tema chama a atenção de que isso é a repetição o que foram os Objetivos do Milênio;, ou seja, acordos rebaixados que colocaram no lixo todos os acordos do ciclo de conferência sociais das Nações Unidas nos anos de 1990.

Nós da MMM Brasil nunca vimos com muito entusiasmo os resultados deste ciclo de conferências. Nos preocupa muito o contrato de acordos amplamente aceitos que criam as bases para novos negócios, como foi, por exemplo, o Acordo de Dublin e a posterior expansão da privatização dos serviços de água.

No processo oficial da Rio+20, há um Major Group de Mulheres. Elas apresentaram suas contribuições para o rascunho zero em novembro de 2011. Neste documento há considerações de medidas concretas com as quais em parte estamos de acordo como, por exemplo, a proposição de medidas concretas para a rápida redução e eliminação dos subsídios a energias não sustentáveis como a nuclear; a afirmação do princípio de precaução; a necessidade de proteção aos sistemas de conhecimento tradicionais das mulheres indígenas frente a sua exploração pelas corporações. O grupo é critico do termo “economia verde”, propõe substituí-lo por “economia equitativa e sustentável” e descreve seus princípios. Além disso, chamam a atenção sobre os limites do PIB como medida de bem-estar e propõem indicadores para avaliar os impactos de gênero.

Contudo, todas essas contribuições não aparecem no rascunho zero da ONU, que só faz uma referência genérica à desigualdade de gênero, mencionando que o desenvolvimento sustentável depende da contribuição das mulheres, que é necessário remover barreiras que impedem as mesmas de serem participantes integrais na economia e priorizar medidas que promovam a igualdade de gênero. O rascunho zero também incorpora a necessidade de desenvolver indicadores que contemplem de uma só vez o econômico, o ambiental, e o social.

Consideramos que uma análise restrita aos impactos diferentes de gênero pode se limitar a uma descrição dos impactos positivos e negativos de uma maneira fragmentada. Por exemplo, no ápice da globalização neoliberal, o aumento do trabalho remunerado das mulheres nas máquillas e a agricultura de exportação eram vistos como efeitos positivos: as mulheres tinham um rendimento próprio e por isso era mais provável que tivesse maior autonomia. Porém, havia também impactos negativos, sobretudo nas condições precárias de trabalho. Nessa lógica, se propõem medidas que equilibram os aspectos positivos e negativos. Mas nós priorizamos um olhar que analisa como o capitalismo faz uso de estruturas patriarcais no seu atual processo de acumulação e, por isso, construímos uma luta e resistência feminista e anticapitalista.

Mais informações sobre a Cúpula: www.rio2012.org.br

Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!

*Documento traduzido para o português por Ana Araújo, militante do núcleo da MMM na USP.