Nesta semana, a população brasileira vivenciou um golpe de Estado, que afastou através de um processo político a presidenta Dilma Rousseff (PT). À primeira mulher que alcançou a presidência da república, não há acusação de crime ou de corrupção. Mesmo assim, forças políticas conservadoras e corruptas esforçaram-se nos últimos meses em forjar discursos de ódio e em derrubá-la. Fizeram parte ativa deste golpe nomes envolvidos em grandes esquemas de corrupção, como o agora afastado presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB) e o candidato derrotado em 2014 Aécio Neves (PSDB). Nesta quarta-feira, após o afastamento temporário da presidência, assumiu o vice-presidente Michel Temer (PMDB), já com propostas de governo que trazem consigo grandes retrocessos.

Em nota nacional, a Frente Brasil Popular, responsável pela mobilização de diversas entidades e movimentos sociais, afirmou: “as intenções dos golpistas estão declaradas a céu aberto: arrochar salários, acabar com a política de valorização do salário mínimo, cortar gastos com programas sociais, eliminar direitos civis, privatizar empresas estatais, reduzir investimentos públicos, anular despesas constitucionais obrigatórias com saúde e educação, abdicar da soberania nacional diante dos centros imperialistas”.

Progresso?

Maria Fernanda Marcelino, historiadora da SOF, traz um panorama de alguns impactos econômicos da política de Temer, localizada à direita. “Temer está do lado do poder econômico, especialmente na defesa do poder econômico transnacional. Por isso, ele vai programar e intensificar políticas de abertura do mercado brasileiro, da privatização e do corte em políticas responsáveis pela manutenção da soberania nacional. Isso quer dizer que todo investimento no que é público será precarizado até sua extinção. Aí estão as escolas, os serviços de saúde, todas as politicas que tentam construir um país que tenha alguma justiça social. Temos agora o fim do ministério do desenvolvimento agrário, uma intensificação em políticas que vão liberar mais ainda o uso de agrotóxicos em nossa alimentação. Teremos as investidas de tornar esse um país onde o armamento da população civil seja intensificado, e possivelmente legalizado o porte de armas por cidadãos comuns. Teremos novamente o tema da redução da maioridade penal e outras tantas políticas que vão inviabilizar o desenvolvimento das pessoas, em especial das mulheres, que ainda dependem muito de políticas públicas criadas para avançar no tema da autonomia econômica”.

Golpe patriarcal

Desde o início do processo de Impeachment, as mulheres apontam para o machismo ali presente. São exemplos as campanhas visuais que aludem à violência contra a presidenta, reportagens da mídia tradicional que a colocam como descontrolada e incapaz de administrar o país e mesmo os discursos dos deputados no dia 17 de abril, que mencionavam a família em seu modelo mais conservador e limitado.

Na última quarta-feira (12), quando Temer anunciou seus novos ministros, escancarou-se a ausência total de mulheres nas funções ministeriais – no Brasil, esta é a primeira vez em que o ministério é 100% masculino desde 1979. Por outro lado, sete ministros são citados na Operação Lava Jato por envolvimento com esquemas de corrupção. “Essa composição só deixa claro que o golpe além de antidemocrático é patriarcal, machista e patronal. A falta de indicações de mulheres é mais um elemento que mostra que o governo Temer não representa a população brasileira. O processo de impeachment foi conduzido por Eduardo Cunha, um dos protagonistas nos projetos mais reacionários em relação ao direito das mulheres no Brasil. Foi uma farsa referendada pelos setores mais conservadores, preconceituosos e reacionários do país. Um governo ilegítimo que não será reconhecido”, afirma Tica Moreno, socióloga da SOF.

A isso, Maria Fernanda completa: “É um golpe patriarcal também porque foi o Temer a principal figura no poder que insistiu, viabilizou e pressionou para que a Secretaria de Políticas para Mulheres fosse extinta ainda sob o governo da Dilma [a Secretaria compôs, então, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, hoje também extinto pela recomposição de Temer]. Percebe-se aí uma orquestra na tentativa de excluir as mulheres de todo o processo político. Nesse governo, que é reacionário, fascista, extremamente misógino, as mulheres não têm lugar. A nomeação de ministros homens, todos com a ficha corrida mais longa que a Bíblia, demonstra e consolida esse fato”.

Resistência

Os movimentos sociais se posicionam hoje com a promessa de denunciar o governo ilegítimo, barrar os retrocessos e lutar pela retomada e pelo aprofundamento da democracia. “Estamos comprometidas na construção da unidade entre os movimentos. Esse momento exige muito debate amplo entre os movimentos e também a forte mobilização conjunta. Junto à Marcha Mundial das Mulheres, vamos acompanhar a Frente Brasil Popular e colaborar no fortalecimento da auto-organização das mulheres, para que a resistência à agenda conservadora e misógina seja uma constante no Brasil e na América latina como um todo”, explica Tica.

Maria Fernanda diz que “é assim que eles nos querem: de joelhos. Mas do nosso lado, enquanto parte do movimento social e do movimento feminista, seguiremos atuando com as mulheres, em intensa ação e mobilização, porque seremos nós, com certeza, as mais atingidas pelas políticas de recessão que eles tentarão implementar a seguir – mas não conseguirão”.