Por Sonia Coelho*
Originalmente publicado no Brasil de Fato
O 1º de maio, Dia da Trabalhadora e do Trabalhador, ocorreu no momento de pico da pandemia no Brasil, exigindo mais uma vez dos sindicatos e movimentos sociais a organização de ações apenas simbólicas – lives, faixaços e outras atividades que não promovem aglomeração, para não aprofundar os riscos da classe trabalhadora já duramente afetada pela contaminação a que está exposta no trabalho e no transporte.
O país vive um dos maiores níveis de desemprego da história, que afeta principalmente as mulheres, a população negra e a juventude.
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Apesar de toda dificuldade, as ações foram expressivas. A partir dos movimentos sindicais, sociais e populares, foram organizadas carreatas em todos os estados, com o lema: vacina no braço e comida no prato! Fora Bolsonaro, por democracia e emprego! Infelizmente, a data coincidiu com a absurda marca de mais de 400 mil mortes de pessoas vítimas de covid-19.
Nas ruas os movimentos pediram impeachment, investigação e punição ao Bolsonaro por entregar a população brasileira aos riscos de infecção e morte por covid-19.
O trabalho das mulheres na pandemia
Ao falarmos do trabalho realizado pelas mulheres, é preciso destacar a categoria das trabalhadoras domésticas, uma das mais afetadas com a pandemia. No Brasil, a maioria das trabalhadoras domésticas é de mulheres negras.
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O Dieese circulou um informe recente sobre a situação das trabalhadoras domésticas, a partir de dados da PNAD contínua. O informe aponta que, do 4º trimestre de 2019 ao 4º trimestre de 2020, 1,5 milhões de trabalhadoras perderam o emprego.
Segundo a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), mesmo esses números não dão conta de todo o contexto de desemprego, pois a dispensa de muitas mulheres diaristas, informais e/ou eventuais não aparece nos números. A tragédia do desemprego é uma dura realidade para essas mulheres negras.
Aumento da carga de trabalho
Ao mesmo tempo, o contexto da pandemia também gerou um aumento da carga de trabalho, que já era bastante alta. Segundo o boletim do Dieese, em 2019 a carga horária das trabalhadoras domésticas era de 52 horas semanais.
Com a pandemia muitas mulheres tiveram que permanecer no trabalho para não voltar todo dia para casa e contaminar a família dos patrões. Isso significa aumento da carga de trabalho para essas mulheres, que têm hora para se levantar, mas não têm hora para dormir e descansar.
Devemos lembrar que a PEC das Domésticas estabeleceu em 2015 a carga horária de 8 horas diárias ou 44 horas semanais para a categoria. A pandemia recrudesce uma situação de desrespeito, desigualdade e descumprimento dos direitos dessas trabalhadoras.
Setores mais atingidos
As desigualdades entre homens e mulheres e entre pessoas brancas e negras no mercado de trabalho foram agravadas em geral pela pandemia no contexto neoliberal brasileiro.
O IBGE aponta um desemprego recorde das mulheres (cerca de 17%) e um retrocesso de cerca de trinta anos da participação das mulheres (45,8%) no mercado de trabalho.
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As mulheres estão nos serviços de alojamento, alimentação, pequenas empresas – os setores mais atingidos pela crise econômica acirrada pela politica desastrosa do governo Bolsonaro.
Outro motivo é a vida cotidiana e a sobrecarga do trabalho de cuidados: para que as mulheres se mantenham no mercado de trabalho, precisam de uma rede de apoio e planejamento do tempo e de todas as tarefas para manter a vida da casa e da família funcionando.
A necessidade de fechamento das creches, escolas, Casas da Criança e Adolescentes, Centros Dia de idosos, e mesmo o impedimento de crianças e idosos frequentarem casas alheias, fez com que muitas mulheres tivessem que deixar o trabalho remunerado para que a vida e a casa continuassem a funcionar.
Divisão sexual do trabalho
Quando alguém fica doente, também somos nós as primeiras a parar tudo para garantir os cuidados e a atenção necessária. Nessa divisão sexual do trabalho, os homens estão sempre disponíveis para o trabalho remunerado porque, em geral, não se responsabilizam pelo trabalho doméstico e de cuidados – são, na verdade, dependentes das mulheres organizando suas vidas.
Há que se considerar também a situação das mães solo ou únicas responsáveis pela casa, que têm sido empurradas para a pobreza e a fome, sem auxílio emergencial e qualquer trégua nas contas e no aluguel que só aumenta.
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Para que as mulheres tenham mais autonomia econômica, as políticas econômicas e sociais têm que estar em conexão (e não em situação de desmonte), justamente porque as mulheres são sempre obrigadas a conciliar a vida laboral com a manutenção da vida.
Além das políticas de austeridade que aprofundaram a crise econômica desde o golpe contra a presidenta Dilma, as reformas estruturais (como a da previdência e a trabalhista) aumentam a precariedade da vida da classe trabalhadora, favorecendo a informalidade, o lucro da iniciativa privada e a quebra de direitos trabalhistas, legitimando também projetos do governo de suspensão de contratos e de redução da jornada com redução de salário.
Reforma da previdência
A reforma da previdência resultou em mais um pesadelo para as mulheres na pandemia: aquelas que completaram 60 anos em 2020 tiveram que esperar mais seis meses para cumprir a escala da reforma, que passou de 60 para 62 a idade mínima para aposentadoria das mulheres.
Quem completou 60 anos em julho de 2020 teve que esperar até janeiro de 2021. Em tempos de desemprego e crise da saúde, esse período faz muita diferença na vida das pessoas. O enorme desemprego atual significará, para muitas pessoas, a postergação da aposentadoria por não poder seguir contribuindo com a previdência.
O sucateamento do INSS nos governos Bolsonaro e Temer somou-se ao fechamento do INSS para atendimento presencial por mais de 6 meses devido à pandemia, e essa equação dificultou o acesso de quem cumpria com os requisitos para se aposentar em 2020.
Bolsonaro, inimigo das mulheres
No final de abril, o Senado aprovou o projeto de lei 130/2011 que já tramitava no legislativo a uma década e prevê igualdade salarial entre homens e mulheres quando exercendo mesma função e jornada.
Em resposta, Bolsonaro disse (sem nenhum estudo ou dado) que, se o projeto fosse sancionado, as mulheres não arranjariam mais empregos porque as empresas não iriam contratá-las.
Em sua campanha presidencial, Bolsonaro já fazia alusão ao posicionamento de que as mulheres deveriam ganhar menos que os homens ou de que empresários não devem contratar mulheres jovens porque elas podem engravidar e sair de licença maternidade.
Desigualdade
É repugnante que um presidente da República justifique uma das maiores discriminações que as mulheres enfrentam no mundo do trabalho, que é trabalhar em mesma função e receber salário mais baixo.
O Estado precisa justamente combater essa desigualdade, que é uma forma de manter a exploração capitalista sobre a força de trabalho feminina. Tentam colocar a ideia de que dar emprego às mulheres é um “favor”.
Sabemos, porém, que os empresários capitalistas não podem prescindir da exploração do trabalho das mulheres justamente porque estamos na maioria dos trabalhos cansativos, de baixa remuneração, que exigem paciência e disciplina, características da construção social de ser mulher.
*Sonia Coelho é assistente social, militante da Marcha Mundial das Mulheres e integrante da equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista.