Por Sonia Coelho*
Originalmente publicado no Brasil de Fato
Nos aproximamos das eleições municipais de 2020 inspiradas pela força das mobilizações incansáveis dos povos indígenas, da juventude e das mulheres que, no Chile e na Bolívia, resultaram em vitórias populares nas urnas. Para nós, dos movimentos sociais, essa inspiração reafirma a convicção de que é com a luta popular que conseguimos transformações.
Aqui no Brasil, temos visto em todos os cantos a mobilização e ação das mulheres para enfrentar os efeitos da irresponsabilidade e da política de desmonte de Jair Bolsonaro nas condições de vida da população. É com essa força que as mulheres estão envolvidas nestas eleições, que são municipais, mas que tem um significado muito grande na disputa política que estamos envolvidas no país.
Estamos resistindo ao crescimento da extrema-direita, ao projeto da direita de privatizações e de redução do investimento em políticas e serviços públicos de saúde, educação e assistência social. O projeto da direita para o país é racista e misógino, ataca o feminismo, os direitos mais básicos das mulheres e quem luta por eles.
A participação das mulheres na política segue longe da paridade. Nessas eleições, as mulheres representam 34% das candidaturas a câmara de vereadores(as) e 13% das candidaturas majoritárias à prefeitura. Além dos conhecidos obstáculos para a participação política das mulheres (como a divisão sexual do trabalho, que também se reproduz nos processos políticos), temos visto muitas candidatas, especialmente as da esquerda, sofrerem uma série de ataques e violências políticas durante essas eleições.
O que aconteceu contra a presidenta Dilma Rousseff se repete e se multiplica, como um instrumento da extrema-direita machista e racista, especialmente nas redes sociais e usando fake news. No contexto da pandemia, muitas atividades virtuais de candidatas negras foram invadidas e atacadas. Os ataques se desdobram em ameaças de diferentes alcances à integridade física das mulheres. A violência política contra as mulheres é um componente dos ataques à democracia e do autoritarismo que estamos enfrentando nestes anos.
Também chama a atenção o fato de que partidos de direita, inclusive setores muito conservadores, tenham lançado candidatas mulheres que afirmam um padrão de “ser mulher” submetido aos valores e estruturas patriarcais e expressam propostas políticas que reforçam a casa e as responsabilidades com o trabalho doméstico e de cuidados como lugar prioritário das mulheres (como afirmado por Joice Hasselman em um debate em São Paulo).
As candidaturas feministas, das mulheres negras e jovens têm respondido à altura. O feminismo não é só um tema setorial, mas um eixo fundamental nessa disputa política, tanto para organizar e fortalecer a resistência ao neoliberalismo autoritário como para construir políticas que avancem no sentido de transformação. É importante explicitar os eixos feministas para a resistência ao machismo e o racismo e para construir o direito à cidade.
As políticas para as mulheres não podem se restringir ao enfrentamento à violência. Para que as mulheres tenham o direito a uma vida sem violência, muita coisa precisa mudar em uma cidade, desde a organização do transporte público e da iluminação até as políticas de emprego e a organização dos serviços públicos de apoio à reprodução social. O direito à cidade sob uma visão feminista é também uma forma de romper com a separação e hierarquia entre público e privado, que só visibilizam o que acontece fora das casas.
Por isso, o debate da Marcha Mundial das Mulheres sobre colocar a sustentabilidade da vida no centro da organização social ganha muita relevância. Em tempos de precarização generalizada do trabalho e da vida e de tanta violência racista e machista, colocar o cuidado e a vida no centro da política é um eixo de transformação. Isso significa investir em serviços públicos de cuidado e educação, como as creches, e também em políticas direcionadas ao cuidado de idosos, como os Centros Dia. Hoje, enquanto as famílias com algum recurso contratam cuidadoras em situação precária de trabalho, na classe trabalhadora, nas periferias, vemos cada vez mais as mulheres assumindo o cuidado permanente de idosos dependentes.
Em tempos de aumento da fome e da pobreza, é ainda mais essencial o investimento em restaurantes populares, política de alimentação escolar saudável com alimentos produzidos pela agricultura familiar, assim como o direito à moradia e ao saneamento básico. Ao colocar a sustentabilidade da vida no centro das políticas, o feminismo propõe caminhos para reativar a economia nas cidades seguindo a lógica do direito ao cuidado, enfrentando a violência e o racismo, promovendo autonomia econômica das mulheres e fortalecendo a economia solidária como estratégia popular de transformação.
Vivemos em um país cuja democracia tem sido atacada desde o golpe de 2016. O possível aumento das abstenções nessas eleições é algo muito perigoso, pois pode abrir espaço para a eleição de projetos de direita. Por isso, explicitar a disputa de projetos de sociedade e mobilizar o povo para votar nas eleições (seguindo os protocolos de segurança!) é, mais do que nunca, uma tarefa fundamental. Precisamos seguir construindo a unidade da esquerda e dos movimentos sociais, dizendo nas ruas, nas lives e também nas urnas: chega de política de morte! Fora Bolsonaro!
*Sonia Coelho é assistente social e faz parte da equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista.