Mais de 40 mulheres do Brasil, América Latina e Caribe se reuniram em São Paulo para refletir e identificar as apostas das mulheres para a soberania popular
Nos dias 3 e 4 de novembro, a SOF realizou uma oficina com o tema “Feminismo e soberanias”. As oficinas foram presenciais e aconteceram no centro de São Paulo com a participação de 43 mulheres de 8 estados do Brasil, da Argentina, Chile, Honduras, Paraguai, Venezuela. Dentre as participantes estavam militantes da Marcha Mundial das Mulheres do Brasil e da região das Américas, além de movimentos e organizações aliadas, como CLOC-Via Campesina, Amigos da Terra, CUT, CódigoSur e MariaLab.
Ao longo dos dois dias, conversamos sobre as agendas feministas para a construção da soberania popular e compartilhamos nossos conhecimentos e práticas em nossos territórios que articulam as soberanias alimentar, energética e tecnológica, observando a forma como elas se cruzam em nossas resistências frente às violências e também nas alternativas que temos apostado.
Alicia Amarilla da CONAMURI, Paraguai, ressaltou como para ela foi impressionante para ela identificar e nomear durante os dias de oficina as inúmeras iniciativas que as mulheres tem tomado em seus territórios. “O debate e a análise que fizemos aqui sobre a soberania popular nas mãos das mulheres é realmente muito importante porque mostra mais uma vez que nós mulheres estamos realizando um processo de defesa de nossos territórios, da terra, das sementes, da produção agro-ecológica. Hoje em dia, juntos, de nossos diversos territórios.”
Para Mariana Lacerda, da MMM do Ceará, o processo de aprendizado e reflexão coletiva foi importante para aumentar a capacidade de nomear as lutas e elaborar as críticas. Inspirada na experiência da Via Campesina, que criou o princípio da soberania alimentar e o construiu com muita organização política, Mariana disse, durante a oficina, que “usamos palavras fortes para nós, como agroecologia, igualdade, que vêm carregadas de força e de processo de luta. Isso tem profunda relação com um processo de colonização e escravização que nosso país não conseguiu reparar. Nos juntarmos para refletir sobre soberanias é uma forma também de apontarmos para processos de reparação histórica do que precisamos fazer enquanto povos. Quem somos enquanto povo? Quais as palavras, os conceitos que precisamos retomar e dizer em voz alta?”
Com dinâmicas de grupo e metodologias da educação popular e feminista, a oficina trabalhou sobre os seguintes eixos: a articulação e complexificação das soberanias energética, alimentar e tecnológica; a relação entre feminismo e soberania; alternativas e desafios para a soberania dos territórios; princípios e propostas para uma agenda comum.
Nikole Yanes, de Honduras e da organização CódigoSur também enfatiza: “pudemos compartilhar nossas visões de mundo possíveis para nós mulheres, entendendo que esta soberania popular também é tecida com nossos passos, mas também depende do conjunto da sociedade. Por isso compartilhar o que temos feito tanta na soberania energética, tecnológica e alimentar é de extrema importância, trazemos nossa sabedoria ancestral, nossa cultura e nossa visão do mundo, para construir juntas uma teoria e uma prática para um mundo feminista”.
Processo de reflexão e acúmulos coletivos
Essas reflexões não surgiram nesses dois dias de atividade presencial. Ao longo deste semestre, a SOF se empenhou em produzir dois documentos, sendo um sobre soberania energética e outro sobre soberania tecnológica, e já havia organizado uma oficina virtual no mês de outubro.
A primeira oficina do processo teve como o tema “Feminismo e tecnologias”. Durante a oficina foram apresentados os resultados do documento e os elementos críticos levantados nele; também houve um momento de reflexão coletiva, baseada em perguntas previamente enviadas às organizações sobre seus usos e entendimentos políticos da tecnologia.
O documento apresentado, “Pistas feministas para construir soberania tecnológica a partir dos movimentos populares”, foi um processo de pesquisa que mapeou os acúmulos públicos de organizações aliadas sobre o assunto das tecnologias, buscando tanto suas críticas como suas propostas para eixos como trabalho, agricultura e comunicação. O documento também organiza conceitos sobre o que são as tecnologias sob uma perspectiva feminista e sobre como a digitalização corporativa está se desenvolvendo, e, ao final, sistematiza princípios e exigências das organizações para construir a soberania tecnológica.
O segundo texto produzido, intitulado “Nós, mulheres, somos a energia que move o mundo”, sistematiza a relação entre a luta feminista e a soberania energética, com ênfase na trajetória da MMM no Brasil. Está dividido em três seções: “Nosso percurso no debate sobre energia”, “Entendendo a lógica da produção energética corporativa, a injustiça, o racismo ambiental e os impactos nos territórios”, “A soberania energética que queremos e estamos construindo”.
O objetivo desse processo é contribuir para a incorporação da perspectiva feminista sobre o tema de uma transição energética justa com base nas agendas das mulheres e movimentos sociais, e avançar na elaboração de princípios e propostas feministas em direção à soberania tecnológica, energética e alimentar.